“NASIR” – Minimalismo em forma e conteúdo” [9º ODC]
O que é a vida se não solidão e silêncio? O questionamento é feito pelo protagonista de NASIR, coprodução Índia, Holanda e Singapura, enquanto vive sua rotina comum a cada novo dia. Não somente a pergunta oferece uma chave de leitura para refletir sobre as experiências do homem, como também sintetiza o estilo narrativo do diretor Arun Karthick para construir o minimalismo vagaroso e melancólico de um trabalhador. Em muitos aspectos, portanto, é desafiador mergulhar naquela ambientação.
Primeiramente, os desafios aparecem na proposta temática de seguir o vendedor Nasir em sua instável vida com a mãe Fátima, a esposa Taj e o sobrinho Iqbal. Todos moram em um gueto povoado na Índia e dependem do trabalho do sujeito em uma loja de roupas para sobreviver na movimentada cidade. O rapaz precisa levar a vida com bom humor e amor pela poesia para tentar contagiar os demais ao seu redor.
Já nas cenas iniciais, os desafios se multiplicam para o personagem principal e para os espectadores. Em muitos momentos, Nasir simplesmente transita de uma trivialidade a outra dentro do cotidiano de um trabalhador humilde: fazer refeições, atender os clientes da loja, dormir, orar, observar a cidade ao redor, tomar banho e outros afazeres banais. São blocos do dia a dia que se sucedem de forma episódica, enquanto breves pistas do contexto estabelecem uma atmosfera de conflitos religiosos entre hindus e muçulmanos (especialmente diálogos e efeitos sonoros discretos). Se por um lado Nasir encara a angústia de vivenciar dia após dia as mesmas situações, o público deve se habituar com os longos planos de poucas ações impactantes e muitos gestos expressivos capazes de marcar uma crescente desolação.
Tamanha expressividade dos pequenos movimentos e das discretas posturas corporais dos personagens cria vínculos emocionais com os espectadores. Inicialmente, os planos detalhes definem uma intimidade com os corpos daquelas figuras, principalmente quando a câmera registra as mãos, os pés e traços do rosto do protagonista. Porém, no decorrer da narrativa essa proximidade ganha um peso pessimista e desalentador, pois os planos detalhes extraem de cada parte do corpo a saudade da esposa em viagem, o cansaço de um trabalho não recompensador e a tristeza diante do sobrinho psicologicamente especial e desassistido. Algumas imagens metafóricas, responsáveis por fundir personagens e cenários, também imprimem uma coloração melancólica à sua textura.
Sobressai também dentre as escolhas formais de Arun Karthick um esforço de alienar o público em relação ao que acontece fora do universo do vendedor. O cineasta cria longos planos fixos com discretíssimos movimentos laterais da câmera, sendo capazes de estabelecer um tempo peculiar que corre diferentemente do tempo da cidade – o fato de as tensões religiosas no país ficarem cada mais presentes insinua algo mais efervescente acontecendo em volta do núcleo central. Além disso, os personagens sempre estão centralizados no quadro a partir de uma ideia de mise en scène em que o olhar espectatorial é direcionado para o centro da imagem, fazendo com que os elementos fora dessa posição não despertem imediatamente nossa atenção.
A alienação do olhar é um princípio estruturante em outras escolhas estilísticas recorrentes, reafirmando a percepção da vida como solidão e silêncio. Nos momentos em que a câmera não se move. As transições de cenas ocorrem através de muitos cortes para acompanhar o movimento dos personagens – assim, a câmera está fixa no quadro e seguimos Nasir a cada novo corte durante todo seu vagaroso trajeto pelas ruas. E como preenchimento das sequências há um meticuloso desenho sonoro, que investe em muitos silêncios existentes na rotina diária entrecortados esporadicamente por sons diegéticos das atividades urbanas e das canções indianas típicas. São mais dois recursos responsáveis por atrair o público para uma jornada crescente de desalento gerado pela exaustão e pelas agruras do cotidiano.
Graças ao uso específico do som, da direção, da montagem e das características de um roteiro voltado para o cotidiano, “Nasir” oprime de alguma maneira os espectadores. Isso porque a sensação geral é de desânimo resultante de dias muito semelhantes entre si sem grandes acontecimentos (silêncio) e movido pelas dificuldades de sobreviver em um ambiente pobre e carente de emoções (solidão). Quando, enfim, algo mais dinâmico do contexto geral irrompe, desejamos que não tivesse acontecido para que o protagonista fosse protegido da instabilidade do país. Porém, tudo muda: a câmera se move agitadamente e o indivíduo é engolido pelo frenesi das convulsões sociais do espaço que o cerca. Desse modo, a primeira e a última cenas formam um paralelismo angustiante acerco do fluxo impiedoso do mundo que avança deixando para trás histórias de vidas e perdas.
* Filme assistido durante a cobertura da 9ª edição do Olhar de Cinema de Curitiba (9th Curitiba Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.