“AMOR GARANTIDO” – E alguns clichês também
Provavelmente as comédias românticas sejam as produções em que os clichês sejam mais perceptíveis e assimiláveis. A jornada do casal que se desentende ao se conhecer, possui muitas diferenças, descobre um pouco mais um sobre o outro até mudar de ideia e supera algum obstáculo para sua união é bastante familiar. Além desse percurso, há também situações e piadas envolvendo personagens coadjuvantes e conflitos narrativos capazes de mover sem tantas surpresas o subgênero. Porém, trabalhar com clichês não é necessariamente um problema, desde que sejam eficientes ou repaginados – iniciativa essa que AMOR GARANTIDO tenta seguir.
Usando o carisma dos protagonistas para tornar as convenções mais expressivas e uma trama com alguns traços mais contemporâneos, o novo filme original Netflix tenta lidar com suas limitações. Isso acontece a partir da chegada de um novo cliente para o pequeno escritório de advocacia de Susan. Nick quer processar um site de namoro que garante o amor, após ter se encontrado com quase mil mulheres sem se apaixonar por ninguém. Entretanto, à medida que o caso avança, o relacionamento entre eles fica cada vez mais íntimo.
Dentro do esquema geral das comédias românticas, a narrativa não se diferencia de outras obras afins. Nick e Susan precisam ser, de início, polos opostos: ele é cético quanto à possibilidade de conseguir uma paixão verdadeira e de existir princípios nobres no mundo; ela é extremamente honesta e idealista por acreditar que a justiça deve marcar sempre todas as vidas – o maior tempo de tela oferece à mulher um desenvolvimento mais extenso, baseado no arco nada original de priorizar o trabalho e marginalizar a vida sentimental. Inclusive, a dinâmica entre os dois segue a mesma ideia ao mostrar a primeira conversa, após pedirem café em uma barraca na rua, e a desconfiança de Susan de que os interesses de Nick com o processo seriam apenas oportunistas.
Em seguida a uma apresentação tradicional, o diretor Mark Steven Johnson busca elementos que não se resumam a clichês requentados. Os atores principais traduzem de modo carismático as percepções sobre seus personagens, seja porque Rachel Leigh Cook encontra o humor no lado workaholic de Susan, seja porque Damon Wayans Jr confere um charme gentil a Nick em seus encontros amorosos. As tentativas de dar algum frescor à narrativa vêm principalmente das menções a serviços tecnológicos que prometem a satisfação dos sentimentos de seus usuários – daí, surgem questionamentos como a presença crescente da tecnologia em nossas existências e a mercantilização das relações românticas contemporâneas.
São apenas menções porque tais temas não ganham muito protagonismo no roteiro, nem na abordagem visual. Fazer referência ao mundo tecnológico jamais se concretiza como poderia na decupagem das cenas, afinal inserir rapidamente caracteres informativos sobre os encontros de Nick ainda é insuficiente; de resto, o convencionalismo previsível dita o ritmo, por exemplo, quando o encadeamento entre as pesquisas de Susan para o caso e seu próprio uso do site é feito através de uma montagem meramente ilustrativa e expositiva. Esse mesmo tradicionalismo se reflete também no andamento do segundo ato, que volta às convenções de um casal gradualmente se aproximando apesar das diferenças e de amigos servindo como figuras cômicas sem grande desenvolvimento narrativo.
Ainda que existam muito mais impressões do que poderiam ser possibilidades promissoras dispensadas, a obra apresenta momentos bem resolvidos com outros subtextos. Na abertura, percebe-se uma solenidade na postura de Susan no tribunal que contraria o tom humorístico inesperado de presenciar um julgamento a respeito de sites de namoro e garantias para um amor genuíno (na primeira cena, o movimento de câmera que amplia a dimensão do tribunal, a trilha sonora edificante e o estilo do discurso da protagonista contrastam com as sequências futuras nas quais se veem discussões sobre questões sentimentais). Além disso, o carro de Susan se configura como um microcosmo capaz de caracterizar sua proprietária, tanto pelas dificuldades financeiras indicadas pela maçaneta permanentemente defeituosa e o seu estado emocional representado pelas canções ouvidas no rádio. No entanto, esses aspectos têm pouco tempo de tela ou estão subordinados à jornada clássica da comédia romântica sem tanta originalidade.
O caminho trilhado pela narrativa é na sua maioria genérico e derivativo de outras produções mais bem sucedidas do subgênero. Além dos pontos citados anteriormente, o filme também cria um conflito na transição do segundo para o terceiro ato que, mesmo não sendo absolutamente inovador, consegue proporcionar um efeito sobre os espectadores sem soar artificial: o contraponto entre amor e trabalho estabelecido na dinâmica entre os protagonistas e no confronto com o site de namoro processado. A partir desse desenvolvimento, o clímax fornece a mensagem de que correr riscos é algo necessário na vida profissional e amorosa. Por outro lado, contraditoriamente, correr riscos não parece ser algo absorvido pelo próprio filme “Amor garantido“, já que retomar clichês sem variações se sobrepôs a desenvolver traços autorais – decisão que não se verifica em projetos como “Se meu apartamento falasse“, “Noiva neurótico, noiva nervosa” e “Feitiço do tempo“.
Um resultado de todos os filmes que já viu.