“O PROFISSIONAL” – A criança e o assassino
O que aconteceria se uma criança dissesse para um matador de aluguel que gostaria de aprender seu ofício? Talvez o assassino a ensinasse, talvez se negasse ou talvez até mesmo a matasse. O PROFISSIONAL é um filme de 1994 cujo plot, resumidamente, é esse – porém, o assassino não é um matador qualquer e a criança também não é uma criança qualquer.
Léon é um assassino profissional que trabalha para Tony, um mafioso que se considera uma espécie de padrinho para ele. A vizinha de Léon, Mathilda, é uma esperta criança de doze anos maltratada pela família, causando nele alguma empatia. Quando os familiares da menina são assassinados por um homem perigoso, Léon é o único capaz de ajudá-la a não sofrer o mesmo destino.
Escrito por Luc Besson e Patrice Ledoux, a narrativa, ao menos de maneira abstrata, sugere que Léon vingará a família da sua mais nova protegida. Não é esse o caso: Mathilda fica triste por seu irmão menor (de quem cuidava como se fosse a mãe), de apenas quatro anos, mas não pelos demais – muito menos pelo pai, que a tratava grosseiramente e a agredia. O texto alia en passant o abandono afetivo em razão de uma mãe falecida e um pai irresponsável à violência doméstica contra crianças.
O contexto de desamparo faz com que Mathilda se torne bastante esperta para a idade. Dissimulada, ela (tenta) esconde(r) o cigarro quando os adultos aparecem, chupando um pirulito na presença do pai. Quando Léon afirma que trabalha com “limpeza”, ela logo compreende que ele é um assassino de aluguel (no que a menina responde: “legal!”). Todo o afeto que ela não tinha no lar ela encontra em Léon, despertando nele um sentimento paternal que nem ele conhecia. Em um excelente trabalho, Natalie Portman incorpora Mathilda como uma criança negligenciada por tudo e por todos (escancarando a sua vulnerabilidade), disfarçando que, por dentro, ela é mais sagaz que o próprio Léon. Inteligente argumentadora, consegue persuadir o aparentemente frio assassino a acolhê-la e até mesmo ensiná-la a matar.
Não que Léon queira, de início, que ela o faça. Enquanto Mathilda disfarça a inteligência pela inocência da idade (como faz ao enganar o homem do hotel a respeito do estojo para violino), Léon é o inverso ao tentar ocultar o coração doce que a expressão fria de Jean Reno tenta transmitir. Os óculos de sol, a touca, a barba por fazer e o casaco escuro sugerem um homem alheio a sentimentos, porém por baixo dos coldres (que estão por baixo do casaco) está uma camisa branca, representando a pureza da sua personalidade. Seu discurso pode ser duro em demasia para uma criança (a resposta que ele dá quando Mathilda lhe pergunta sobre a dificuldade da vida é desoladora), porém sua expressão de fascínio no cinema – ao assistir a “Dançando nas nuvens”, empolgado com o desempenho de Gene Kelly em “Roller skates” – sugere que, na verdade, a criança é Léon (e não Mathilda).
Possivelmente, em razão das duas faces de Mathilda e Léon é que os dois conseguem se dar tão bem. Ele encontra a ingenuidade da infância; ela, o afeto que nunca teve (é realmente tocante quando, por exemplo, ele a coloca para dormir pela primeira vez, ou quando improvisa um boneco para fazê-la rir). Se ele não conhece Madonna, ela não conhece John Wayne – mas ambos conhecem Gene Kelly. Tony (Danny Aiello) é claramente um falso amigo, aliás, o que ele fala sobre dinheiro é um dos exemplos do sutil humor que o roteiro apresenta (outro exemplo ocorre quando um alvo pergunta qual a aparência de Léon ao seu empregado). Contudo, o que Tony tem de falso é compensado pela verdade que Léon e Mathilda constroem juntos. Ainda que previsível, a rotina dos dois juntos, com ensinamentos mútuos, treinamentos e brincadeiras, é de uma doçura bastante agradável.
O vilão da história, Stan, interpretado por um Gary Oldman desnecessariamente caricato, tem função mais narrativa do que simbólica, exceto para ratificar a qualidade da direção de Luc Besson. Assim, a podridão do antagonista é representada pelo local onde ele e Mathilda se encontram; da mesma forma, seu vestuário claro é a representação inversa da sua personalidade inescrupulosa. Com Stan, o roteiro se torna maniqueísta, porém existem atributos sonoros (a boa e relativamente variada trilha musical) e imagéticos (o acertado design de produção) que compensam tal característica. No segundo caso, merecem ser citados o uso de câmera grande-angular em cenas pontuais (traduzindo a insegurança ou a estranheza do cenário) e a prevalência de cenários fechados para privilegiar uma ação mais empolgante.
“O profissional” é um dos melhores trabalhos de Besson como diretor. Além de ótimas cenas de ação (a sequência com os inúmeros policiais é simplesmente eletrizante) e do impecável emprego do suspense (ao usar planos-detalhe no começo para não mostrar o rosto de Léon, ao mostrar o herói praticando os assassinatos sem que apareça muito…), o cineasta melhora a experiência ao saber dosar a doçura da dupla principal com a adrenalina que a narrativa encaminha. Com isso, agrada ao mais vasto público.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.