“NAMORADOS PARA SEMPRE” – Relações espontâneas
Como confiar nos próprios sentimentos, se eles podem simplesmente desaparecer? O questionamento feito por Cindy insinua que conexões emocionais vêm e vão caótica e abruptamente, algo que os tornariam traiçoeiros e capazes de gerar desapontamentos. As frustrações até podem ocorrer, mas os afetos se constroem gradualmente e sofrem reviravoltas também lentamente. É a perspectiva adotada por NAMORADOS PARA SEMPRE ao encenar os momentos de um relacionamento através da espontaneidade da trama e do uso da linguagem.
Sob o comando do diretor Derek Cianfrance, o foco reside no casamento de Cindy e Dean e no convívio familiar após o nascimento da filha Frankie. No tempo presente, eles enfrentam um período conturbado na relação e incertezas quanto ao futuro, fruto dos desgastes da vida a dois, apesar de ainda serem jovens. Nas inserções de passagens de um passado recente, o homem e a mulher se conhecem e desenvolvem uma paixão. Enquanto alternamos entre as duas épocas, o casal lida com seus problemas tentando reacender o amor que os aproximou.
Pela linha narrativa central é estabelecida a dinâmica dos protagonistas, baseando-se principalmente no próprio cotidiano prosaico. Cindy é uma enfermeira que se desdobra nos afazeres domésticos e nos cuidados de Frankie, sedo uma mãe afetuosa, apesar de não passar tanto tempo com a criança; já Dean é um pintor que trabalha próximo de casa e, por isso, convive mais com a filha, com quem cria uma intimidade especial de brincadeiras. Em especial, as primeiras cenas enfocam a convivência instável dos dois adultos que, a princípio, podem assistir ao recital da menina no colégio e se divertirem no início de uma manhã; porém, em seguida, podem discutir por conta do excesso de brincadeiras de Dean no café da manhã e devido ao portão destrancado por onde a cadela fugiu. Muito dessa instabilidade é transmitida pelas interações entre Ryan Gosling e Michelle Williams, que cresce em potência dramática com o passar dos minutos do filme.
Tal como os acontecimentos retratados, a decupagem de Derek Cianfrance é espontânea e próxima de um estilo documental. A composição dos planos dispensa o formalismo preocupado com o perfeccionismo técnico e prefere uma naturalidade quase improvisada e intuitiva: a maioria dos enquadramentos são closes que não veem necessidade de localizar sempre os cenários; esses mesmos enquadramentos não compõem perfeitamente o quadro e ocultam parte da cena; o recurso da câmera na mão torna as sequências mais naturalistas e aproxima os espectadores dos personagens; e os diálogos se concentram muito mais no ponto de vista de algum personagem em cena. Tais marcas estilística começam no segmento transcorrido no presente e chega igualmente ao que se passa no passado.
Os flashbacks também são espontâneos ao contar como Cindy e Dean se conheceram e se apaixonaram. Novamente, a estratégia é mostrar, com fatos comuns às vidas de qualquer pessoa, dois jovens começando um relacionamento: os esforços da mulher para estudar medicina e os do homem para obter seu primeiro emprego; as dúvidas de ambos quanto às possibilidades de encontrar um amor duradouro explicitadas em conversas com outros personagens; e o primeiro encontro fortuito motivado por uma feliz coincidência. Ao mesmo tempo, essa espontaneidade contém marcas específicas do casal, como o politicamente incorreto que partilham quando Dean faz flertes cômicos que combinam elogios e insultos e Cindy faz uma piada altamente provocativa.
Além da decupagem, as transições temporais reafirmam a autenticidade já vista anteriormente. Inicialmente, a montagem não assinala explicitamente o vaivém entre passado e presente, já que não há raccords ou outras técnicas evidentes para antecipar os flashbacks que virão. É o que acontece, por exemplo, quando a cena em que Cindy chora após uma discussão com o marido é seguida repentinamente por sequências em um tempo pretérito, sem que haja uma preparação prévia (no máximo, a caracterização dos atores situa qual é o período retratado). Assim, as memórias irrompem de repente. Por outro lado, o progresso factual que apresenta como os protagonistas começaram a namorar ainda se prende a uma relação de causa e consequência tradicional ao invés de potencializar a espontaneidade livre.
Enquanto o passado revela o início do namoro, o presente expõe os desgastes do casamento. Nesse ponto, as performances dos principais atores representam a crise conjugal: Michelle Williams traduz o peso que Cindy interiorizou após anos de insatisfação com o marido que bebe desde as primeiras horas do dia e demonstra instabilidade emocional, através de variações estranhas de comportamento e falas agressivas que atingem as fraquezas do homem; Ryan Gosling encarna um sujeito de altos e baixos que confronta a esposa constantemente e se descontrola rapidamente. A ida a um motel simboliza as brigas entre eles por conter as razões dessa crise e o crescimento da escala até um clímax dramático subsequente.
Conforme a narrativa avança, as dificuldades do relacionamento ficam mais delicadas. São representadas visualmente com eficiência ao iluminar o quarto de motel com um filtro azul melancólico expressivo da situação dos amantes, ainda que o roteiro pareça iniciar discussões apenas por uma necessidade dramática e não por um desenvolvimento espontâneo da história (apesar disso, o avanço das divergências encontra seu tom à medida que as brigas crescem). A partir da comparação com o começo da relação, a crise adquire potência dramática: a montagem coloca o passado e presente para dialogarem por meio de um paralelismo contraditório, no qual momentos semelhantes ganham sentidos díspares. Assim, “Namorados para sempre” mostra como inícios e desfechos têm uma espontaneidade construída ao longo do tempo.
Um resultado de todos os filmes que já viu.