“OS FALSÁRIOS” – Dilemas entre o eu e o nós
Em filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, é comum assistir às reconstituições históricas acerca do Holocausto e dos horrores praticados pelos nazistas. Porém, a produção austríaca OS FALSÁRIOS adota uma perspectiva menos usual: descreve como foi a Operação Bernhard, na qual a Alemanha nazista forjou milhares de notas de libras britânicas para gerar um colapso inflacionário na Inglaterra. Trata-se de um recorte temático pouco conhecido que fornece uma visão original sobre o período sem abandonar uma veia dramática poderosa relacionada à opressão sobre os judeus.
A articulação entre História e drama é feita pela direção e pelo roteiro de Stefan Ruzowitzky, tendo com base o livro autobiográfico de Adolf Burger (personagem presente na trama). Assim, seguimos Sally Sorowitsch, um conhecido falsificador pego pela polícia após muitos crimes em meados da década de 1930. Por ser judeu, ele é levado de um campo de concentração a outro até chegar ao local onde fica responsável pela Operação Bernhard. A partir daí, Sally lida com o complexo dilema entre sobreviver e ajudar os demais prisioneiros.
Logo nos primeiros minutos, a narrativa estabelece o individualismo do protagonista nos anos em que ainda era livre: prefere a facilidade de falsificar dinheiro e documentos ao talento artístico de desenhar; desfruta de uma vida boêmia de ostentação com festas, bebidas e mulheres; e comenta que os judeus não conseguem se adaptar à realidade em que vivem, usando um tom pejorativo que sugere a necessidade de abrir mão de sua cultura. Apresentar o personagem desse modo antecipa os conflitos que ganham a tela adiante, através do contraste entre dimensões díspares como os ambientes prazerosos até então frequentados e os campos de concentração aterradores, a liberdade de gozar os prazeres da vida e a opressão sofrida na forma de violência e trabalhos forçados controlados por agentes da SS.
Não apenas no desenvolvimento do enredo, o cineasta traduz a oposição entre as vítimas do nazismo e os indivíduos livres das brutalidades da época. O design dos cenários também distingue a situação de Sally antes e depois da prisão, mostrando como a iluminação e as cores do ambiente e dos objetos cênicos gradativamente são sugadas. Mesmo quando os judeus envolvidos na operação recebem “privilégios” como motivação para o trabalho, eles não estão imunes aos perigos e aos riscos à vida ou aos sentimentos de pessimismo e desesperança. Aparentemente, usufruem da tranquilidade de camas confortáveis, alimentação razoável, uma ala separada dos outros presos e até de uma mesa de pingue-pongue, mas estão cercados pela violência e pelo desalento. Por não estarem distantes de uma realidade cruel, encontram um prisioneiro gravemente ferido que é executado, e são preenchidos por uma fotografia de sombras opressoras e cores dessaturadas que não deixam pensar que desfrutam de algum conforto.
Um confronto semelhante entre posições distintas atinge dois personagens centrais no campo de concentração: Sally e Burger. Enquanto o primeiro defende estratégias individuais de sobrevivência dia após dia que incluem alguma colaboração com o nazismo, o segundo afirma que esses métodos não permitem auxiliar mais judeus e desconsideram a solidariedade necessária para com os demais indivíduos na mesma condição – portanto, vemos um dilema moral entre o individual e o coletivo, cada um deles coerente com possíveis reações a uma situação limite. As atuações de Karl Markovics e August Diehl retratam com intensidade a crenças nessas posturas, especialmente na cena em que Sally aceita um casaco usado antes por uma vítima de Auschwitz, enquanto Burger recusa em respeito por aquela vida ceifada; mas, em outros momentos, o personagem coadjuvante pressiona o companheiro a resistir mais ativamente contra os agentes nazistas.
Se as caracterizações de Sally e de Burger sugerem a existência de dois universos separados, a construção de espaços aproxima a condição de todos os presos independentemente de alguns aparentarem estar em uma posição muito melhor. O mesmo transparece no desenrolar do roteiro, que oferece eventos capazes de pressionar o protagonista a rever sua estratégia: fica indignado com a falta de medicamento para um colega doente; sofre com uma humilhação intensa durante a limpeza de um banheiro; sente um baque ao saber da morte da esposa de Burger; e demonstra preocupação pelos companheiros em geral quando correm risco ou se conectam emocionalmente. Por sinal, a cena iniciada com uma partida de pingue-pongue e concluída de forma trágica, literalmente, mostra a invasão de um universo pelo outro; ou seja, nenhum deles está protegido totalmente da violência antissemita.
À medida que os conflitos para a falsificação do dinheiro se intensificam e o fim da guerra se aproxima, eventuais divisões nos campos de concentração não se sustentam mais. O filme pode não ser perfeito (a sensação de queda no ritmo do segundo ato em virtude de algumas sequências que reafirmam elementos dramáticos sem tantas variações apresentados anteriormente), porém suas imperfeições não diminuem as jornadas de Sally e Burger. Os dois homens se veem mergulhados no dilema se poderiam ter agido de outra maneira para sobreviver às atrocidades do Holocausto ou se deveriam ter entendido o embate entre individual e coletivo sob uma ótica diferente – aspectos que são muito evidenciados nas cenas de abertura e encerramento sobre o protagonista. Em ambos os momentos, ficamos diante do peso que os sobreviventes carregam por precisarem lidar com seus traumas, a partir de uma narrativa que se abre para a originalidade do recorte histórico e para um drama contado recorrentemente por necessidades que não se esgotam.
Um resultado de todos os filmes que já viu.