“GREYHOUND: NA MIRA DO INIMIGO” – Carisma não basta
É decepcionante perceber que praticamente a única virtude de GREYHOUND: NA MIRA DO INIMIGO é a presença de um ator carismático como protagonista. Colocar alguém do primeiro escalão no primeiro principal, contudo, não é suficiente para fazer um filme razoável – nível que o filme sequer alcança.
Em plena Segunda Guerra, a marinha estadunidense coloca o inexperiente Capitão Ernie Krause para liderar um comboio dos Aliados. Na empreitada, ele descobre um iminente perigo: estão sendo perseguidos por uma alcateia de submarinos nazistas.
O filme reúne tudo o que Tom Hanks gosta: uma história real (ou inspirada na realidade) com um herói pouco reconhecido, dentro de uma atmosfera de aventura. Não é à toa que o ícone escreveu o roteiro do longa, baseando-se na obra original de C. S. Forester. Hanks é inequivocamente um dos maiores atores vivos, porém ainda precisa aprender a escrever um roteiro.
Dentro de um cansativo vocabulário técnico náutico, o script claramente tenta ser narrativo, sem êxito. Mesmo os poucos recursos inteligentes – ainda que nada originais – utilizados no texto, como o uso do sonar para criar expectativa e tensão, são mal aproveitados (no exemplo dado, a repetição da fala do marinheiro responsável pelo sonar é enfadonho para o espectador; mais interessante seria começar com ele e terminar a fala com o que fornece a informação ao capitão).
Outro grave problema do roteiro é o maniqueísmo hiperbólico, novamente algo desnecessário em se tratando de um filme que se passa na Segunda Guerra. O tom dado às mensagens encaminhadas via rádio pelos nazistas é caricatural ao extremo, aproximando-se do cômico, tamanho o seu exagero. Na primeira vez que aparece, a luz vermelha sugere que o diretor Aaron Schneider estivesse incerto quanto à noção, pelo espectador, que os nazistas eram os vilões. Faltou apenas a risada maléfica.
Ironias à parte, direção e roteiro são incapazes de dar camadas aos envolvidos. Não seria necessário humanizar os nazistas, porém o excesso na sua maldade sequer combina com um retrato de uma realidade histórica. Quanto aos “mocinhos”, o longa é incapaz de humanizar as personagens, falhando até mesmo em seu protagonista, que acaba sendo unidimensional. A única cena em que o Capitão Krause parece uma pessoa normal (e não uma máquina) não tem propósitos narrativos e, por surgir solitária na película, não é suficiente para estimular a identificação cinematográfica secundária.
Ator nenhum conseguiria dar densidade ao papel do Capitão, limitado a um homem religioso que se dedica ao trabalho na Guerra reconhecendo uma divisão em seu pensamento. Diferente, por exemplo, do protagonista de “Até o último homem” (que verdadeiramente provoca questionamentos profundos sobre a relativização de convicções religiosas em tempos de guerra), o Capitão Krause praticamente ignora o conflito interno. Os outros podem comemorar as mortes dos nazistas; ele não comemora. Sua fé é meramente procedimental (como ele demonstra ao orar antes de se alimentar), jamais substancial. Em nenhum momento ele adentra nos meandros da sua religiosidade (poderia questionar a própria fé, admitir uma dúvida sobre como deveria agir etc.).
A trilha musical, além de genérica, ofusca os sons diegéticos. A fotografia acinzentada, além de combinar com o contexto, acaba sendo coerente com a obra como um todo, que é bastante tediosa. Ainda que Schneider tente provocar emoções no espectador, é tudo óbvio e previsível. Elementos visuais, como o figurino, dão alguma credibilidade pela verossimilhança, porém a simplicidade extrema da trama faz com que o longa fique fadado ao esquecimento.
Depois de “Náufrago” e “Capitão Phillips”, Tom Hanks desce muitos degraus em suas aventuras cinematográficas que se passam no mar. O filme mais parecido com “Greyhound” (na sua carreira) é “Sully: o herói do Rio Hudson”, que tem similaridades (o herói que não tem o reconhecimento que merece, a façanha que salvou várias pessoas etc.), mas é muito melhor. Isso basta para dizer quanto o novo filme, que estreia no Brasil pela AppleTV+, é fraco. As salas de cinema perderam a oportunidade de exibir um dos piores filmes da carreira de Hanks.
Ao menos o filme é curto: noventa e um entediantes minutos.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.