“BLUE JASMINE” – Contrastes e recomeços
Partindo de contrastes, BLUE JASMINE quer chegar a um recomeço. Os contrastes são dados da realidade, talvez inalteráveis; o recomeço é uma possibilidade que depende muito do esforço pessoal (quiçá de fatores externos de apoio). Os contrastes simplesmente existem; o recomeço é uma potência individual.
Jasmine precisa recomeçar a sua vida após perder todo o seu dinheiro. Para isso, ela passa a morar com sua irmã, que vive uma realidade muito mais modesta do que aquela com a qual ela está acostumada. Inconformada com a situação que vive, Jasmine se dedica a retomar o luxo que faz tanta falta, porém sua própria condição psicológica pode estar em risco.
O filme é um exemplar de Woody Allen em sua melhor forma, é um de seus melhores trabalhos. Tudo começa com o inconfundível jazz sofisticado nos créditos, dessa vez tendo em “Blue moon” o Leitmotiv de Jasmine. A escolha é bastante simbólica em relação à trajetória da protagonista, que se sente sozinha e sem amor, aguardando ansiosamente encontrar um amor. O que Jasmine não contava era que Hal (Alec Baldwin) não seria esse amor apto a mudar a cor da lua (de azul para dourada).
Então Jasmine é uma mulher romântica? Não exatamente: o que ela busca não é propriamente o amor em si mesmo, mas aquele que consiga manter seu “hábito de ostentar” (característica que ela admite ao explicar para a irmã a viagem de primeira classe e as malas Louis Vuitton). De seu altar, ela é incapaz de desconfiar de Hal em quaisquer aspectos – afinal, com ele ao seu lado, ela nunca deixou de ter algo que quisesse. As marcas e os luxos que ela tanto valoriza, se não forem fornecidos por Hal, deverão ser por outro.
Essas características de Jasmine não têm semelhança alguma com as de Ginger, sua irmã. No polo oposto, Ginger é cafona e não se importa com isso, como ao querer usar uma bolsa pequena por cima (no ombro) da sua bolsa de palha em uma loja. É verdade que ela enxerga Jasmine com certa admiração, o que demonstra ao insistir para que Augie (Andrew Dice Clay) fale de negócios com Hal e ao concordar (não expressamente, mas por atitudes) que os parceiros que encontra são “perdedores”. A visão da protagonista sobre Ginger claramente não é a mesma: ao falar dela para uma amiga (quando ainda era rica), disse que era “maluquinha” (assumindo-se como “perfeita”).
Jasmine e Ginger estão em uma trajetória semelhante de autoconhecimento, porém são completamente diferentes em todos os aspectos. Quando Jasmine provoca Ginger para pensar sobre os homens com quem se relaciona, esta aceita que o critério “é sexy e não rouba” é suficiente – é interessante que o adjetivo com que descreve Al (Louis C.K.) é “meigo”, como se o que tivesse com este não fosse tão sexual quanto o relacionamento com Chilli. O namorado de Ginger é interpretado por Bobby Cannavale, que encarna muito bem um homem inconscientemente machista, mas afetivamente dependente dela.
Dentro desse contexto de discrepâncias, o design de produção aproveita para enaltecer o abismo entre as duas irmãs. A casa de Ginger é claramente muito menor que a de Jasmine (quando rica), bastando um movimento panorâmico com a câmera para destacar essa circunstância. Embora o amarelo seja bem presente na residência de Ginger, não é o mesmo tom, por exemplo, usado no vestuário de Jasmine, que tem muito mais brilho. Quanto aos cenários, quando a “irmã pobre” briga com o namorado, o faz em meio a frutas de um mercado; enquanto que a “irmã (ex-)rica” começa a enfrentar Dwight (Peter Sarsgaard) em frente a uma joalheria.
Além dos nomes já citados (e de uma participação pequena, mas representativa, de Michael Stuhlbarg), Sally Hawkins dá brilho a Ginger com uma ótima atuação. O grande destaque, contudo, não pode deixar de ser o trabalho brilhante de Cate Blanchett, que capta integralmente a personalidade de Jasmine, uma mulher verborrágica, caminhando em direção a um colapso psicológico (falando sozinha cada vez mais) e pouquíssimo disposta a trabalhar. Ela não enxerga a postura arrogante que tem (sente-se humilhada enquanto “subalterna” em um “emprego banal” como o de secretária) simplesmente porque, ainda que tenha saído da pomposa bolha da riqueza em que habitava, essa racionalidade não saiu dela.
“Blue Jasmine” é uma comédia dramática que brinca até mesmo com os nomes – o que a protagonista adota para si por não gostar do que recebeu; a semelhança entre Hal e Al, como se um fosse uma versão módica do outro; a contraposição entre um nome mexicano (Chilli) e um supostamente mais requintado (Dwight). O longa tem um humor ácido divertidíssimo (a cena em que Jasmine conhece Eddie é hilária; a sequência com as pacientes do dentista também é bem engraçada) no qual Blanchett não ultrapassa o compatível com a proposta, isto é, jamais desliza para o farsesco. Durante a sessão, é possível refletir sobre dilemas morais (por exemplo, deveria Ginger contar sobre Hal?) e perceber que nem todos têm a habilidade para recomeçar (basta comparar Augie, Danny e Jasmine). Porém, isso pode ser necessário para qualquer um.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.