“MILK: A VOZ DA IGUALDADE” – Fazer a diferença
Algumas pessoas entraram para a História não exatamente pelo que foram, mas pelo que representaram em seu momento. Uma dessas pessoas é Harvey Milk, ativista a favor dos direitos dos homossexuais nos EUA na década de 1970. MILK: A VOZ DA IGUALDADE pode não estar à altura do que ele significou, mas é eficaz em transmitir a sua mensagem.
Em seu aniversário de quarenta anos, Harvey Milk conhece Scott, um rapaz mais jovem com quem inicia um romance. Insatisfeito com o que fez em sua vida até então, Harvey começa a sua trajetória em favor da igualdade entre as pessoas de diferentes orientações sexuais. Quanto maior seu ativismo, menor o espaço para a sua vida pessoal.
No filme, a história de Harvey se inicia em 1978, retornando para 1970 para prosseguir. Dustin Lance Black usa a narração voice over do protagonista, em retrospectiva, como inteligente ferramenta narrativa. Com isso, há um fio condutor bem claro, acelerando a passagem do tempo na primeira metade do filme, para verticalizar a trama (e reduzir o ritmo) na segunda – além de permitir uma visão bastante subjetiva dos fatos, o que é positivo ao se tratar de um protagonista. Algumas elipses podem soar desconfortáveis, porém o propósito as justifica: criar um backstory para o herói que justifique a sua dedicação (do contrário, ele seria um militante oco).
Quando Harvey se lança na política, não parece o mesmo despretensioso dos minutos iniciais, que chega a reconhecer que nunca havia feito nada digno de orgulho. Não tarda para ele perceber que sua importância não reside em si enquanto indivíduo, mas enquanto movimento – como ele mesmo afirma, luta pela vida. Isto é, o herói tem noção da sua importância em perspectiva micro (como no jovem praticamente anônimo que liga para ele), macro (na influência política da época) e até mesmo ao vislumbrar um legado. Quanto maior seu aprofundamento na política, maior sua aprendizagem quanto ao funcionamento do sistema (notadamente na perigosa troca de favores), o que, todavia, não ofusca seu bom-humor em situações extremas (ironizando, com perspicácia, os opositores, e menosprezando, imprudentemente, as ameaças). É impressionante como Sean Penn se transformou para o papel, aparecendo bem magro, afeminado e com voz aguda, enaltecendo inclusive trejeitos de Harvey (por exemplo, a mão fechada movimentando o antebraço, a partir do pulso, em sentido horizontal). É uma interpretação brilhante.
Penn é apenas um dos integrantes do cast que demonstra o quão excelente foi o trabalho de penteado, maquiagem e figurino do longa. Entre cabelos encaracolados (Scott e Cleve) – salvo o lisíssimo de Dan White, interpretado por Josh Brolin – e acessórios quase que de disfarce (os óculos grandes de Cleve), alguns artistas estão irreconhecíveis, como Emile Hirsch (Cleve) e Diego Luna (Jack). Em um mar de roupas jeans (calças, camisas, jaquetas), o que é característico da época, Harvey passa a se destacar com os ternos. Porém, ele não abandona as roupas informais, como o casaco vermelho representando momentos inflamados (o discurso na marcha e o discurso na televisão).
Gus Van Sant faz um trabalho formidável na direção, criando cenas que transmitem engajamento e empolgação – por exemplo, na cena da marcha em que Harvey discursa, filmado em contraplongée (sugerindo imponência) em meio a outras cabeças (ampliando a sensação de imersão). Também a montagem de Elliot Graham merece elogios, entrecortando organicamente as cenas da diegese com imagens (reais) de arquivo, o que enaltece a realidade da história. Para facilitar a organicidade, Harris Savides torna a fotografia do longa bastante granulada, aumentando a granulação com a câmera subjetiva (na cena em que Harvey e Scott estão no carro) para combinar com as imagens de arquivo (o depoimento de uma pessoa sobre uma briga com um policial).
“Milk” retrata bem o Zeitgeist de pura intolerância e discriminação. Era uma época em que gays não deveriam demonstrar sua sexualidade em público, correndo o risco de apanhar de policiais ao simplesmente andar em uma calçada. Homossexuais eram vistos como malfeitores prontos para recrutar crianças para a sua causa indigna. A estratégia a ser adotada não era unânime: alguns insistiam que era melhor uma tática menos agressiva, entrando (novamente) “no armário”; Harvey era favorável a ações mais incisivas e diretas (em todo caso, seus parceiros não gostavam das consequências pessoais de tamanho ativismo). O senso de moralidade, embasado na religião, desaguava em pérolas como “se homossexuais tiverem direitos civis, logo prostitutas e ladrões também”. Se fosse vivo, hoje talvez Harvey Milk estivesse decepcionado com o tímido progresso que a causa LGBTQIA+ obteve. Porém, ele provou que algumas ações podem fazer a diferença: de ouvir uma pessoa que precisa ser ouvida a debater contra a ignorância e o obscurantismo. Muita luta por algo bastante simples: igualdade.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.