“HOMENS, MULHERES E FILHOS” – Imagens (e moralismo?)
“No início, parece uma fantasia. Com o tempo, esqueço que não sou eu”. Essa frase de Brandy em conversa com Tim pode sintetizar HOMENS, MULHERES E FILHOS, filme dirigido e roteirizado por Jason Reitman tendo ao seu lado na escrita Erin Cressida Wilson. A síntese se desenvolve através de um mosaico de personagens que se colocam ou são colocados em mundos irreais e artificiais. Em outro momento, Patricia diz que jogos online fazem os jovens entrarem naquele ambiente como se fosse real e nada mais importasse. A partir dessa ideia, caminhamos na tênue linha entre o moralismo e o retrato sem julgamentos.
Baseando-se no livro homônimo de Chad Kultgen, o cineasta comanda uma comédia dramática sobre adultos e adolescentes, relações contemporâneas e imagens construídas publicamente. Para cada um deles, a internet e o mundo virtual estão presentes afetando suas interações sociais e suas próprias identidades em um mundo sempre conectado tecnologicamente. No cenário em que tudo se compartilha, casais passam por crises, gerações distintas entram em conflito e jovens se questionam sobre quem são.
De maneira mais imediata, o mundo fantasioso em que tais figuras estão é aquele em que se precisa “logar” e ficar online, a web em diversas formas. Pode ser Chris assistindo inúmeras vezes à pornografia no computador a ponto de não conseguir concretizar o que vê em sua vida real; seu pai Don também recorrendo ao mesmo conteúdo por conta da crise em seu casamento com Helen (ela igualmente busca uma válvula de escape na internet); Hannah sendo constantemente fotografada e filmada como alguém perfeita pela mãe Donna para iniciar uma carreira artística (exposição que deixa um desconforto no público). Nesses segmentos, Jason Reitman tem o cuidado de não julgar os personagens, preferindo, ao invés disso, indicar visualmente como o virtual integra nossa existência: as pessoas que não desgrudam os olhos das telas de celular e computador, a inserção dos formatos dessas telas nos planos cinematográficos e o envio de mensagens no estilo dos vários aplicativos registrado no quadro (por vezes, em contradição com os diálogos nas cenas).
Além da fantasia surgida nas muitas telas do cotidiano, algo semelhante ocorre nos conflitos familiares. Kent quer que o filho Tim continue jogando futebol americano por considerar a melhor opção e não entende o porquê de o jovem gostar tanto do jogo “Guild Cards” no computador; Patricia monitora a filha Brandy, vigiando o e-mail e redes sociais e rastreando seu celular sob o pretexto de garantir a segurança, mesmo diante da indignação da adolescente; e Donna educa a filha Hannah com grande liberdade até notar os riscos dessa escolha. Nesses núcleos, o roteiro pode carecer de maior profundidade para deixar os adultos tridimensionais (os motivos de Kent e Patricia para agir como agem são superficiais), porém concede espaço a uma boa dinâmica entre os atores Ansel Elgort e Kaitlyn Dever durante o relacionamento de Tim e Brandy, assim como humaniza Kent oferecendo a Dean Norris um personagem comum fácil de se identificar.
Outros problemas atingem o elenco juvenil através do contraste entre realidade e expectativa idealizada. São os casos de Allison entrando em um quadro de bulimia para ficar magérrima e conquistar um garoto mais velho que a desprezava no passado; de Chris chegando à puberdade sem saber lidar com as novas necessidades de seu corpo porque a pornografia virtual só o satisfaz até certo ponto; e de Tim enfrentando a partida da mãe com uma visão de mundo pessimista pautada na ideia de que qualquer tragédia da humanidade representa muito pouco no universo. Nas três subtramas citadas, evita-se julgar suas ações e sentimentos já que a narrativa humaniza os anseios e contradições dos três indivíduos nos levando até suas condições singulares – mérito do roteiro que faz as três jornadas serem críveis e palpáveis, brincando com a fantasia e o real do que se vê e desenvolvendo cada etapa ao máximo do potencial.
Por outro lado, os pais também atravessam seus dramas específicos associados às imagens que transparecem. Don e Helen vivem instabilidades no casamento desde que começaram a se afastar emocionalmente, que os levam a se relacionar com outras pessoas através de contatos pela internet; Kent e Donna se aproximam para se sentirem amados, menos solitários e também cuidarem de suas vidas sem ficar tão dependentes dos esforços para o bem-estar dos filhos. Nos dois núcleos, podemos continuar acompanhando arcos narrativos sem moralismos acentuados, especialmente por conta da montagem que transita entre ambos os casais em situações semelhantes (por exemplo, nos encontros que fazem) e da resolução dos conflitos entre Don e Helen fugir de obviedades (a cena do café da manhã sugere uma saída dúbia nada maniqueísta).
Até o desfecho, “Homens, mulheres e filhos” contorna o discurso moralista e retrata os choques entre mundo fantasioso e real com complexidade e realismo. Entretanto, a conclusão amarrando um artifício pontuado desde a abertura se rende aos juízos de valor: a narração em voice over de Emma Thompson conjugada à movimentação de um satélite pelo espaço se relaciona com o conflito central acerca das imagens que tentamos transmitir; posteriormente, se vincula à teoria de Tim sobre a insignificância dos humanos no universo; mas, ao final, abraça a mensagem edificante de que o planeta é nosso lar acalentador apesar dos pesares. Um deslize moralista que não se articula à narrativa em geral (como acontecia em outros trabalhos de Jason Reitman), pois surge repentinamente fora de tom, e quase compromete a experiência.
Um resultado de todos os filmes que já viu.