“THE LAST DAYS OF AMERICAN CRIME” – Duas horas e meia
Por que THE LAST DAYS OF AMERICAN CRIME tem duas horas e meia de duração? O que justifica cento e cinquenta minutos de pancadaria injustificada e desconexa? Até mesmo Michael Bay tenta dar um fiapo de trama aos seus filmes ruins de ação. Não é o caso do longa original Netflix, cujo nome sequer foi traduzido para o português talvez para afastar o espectador da vergonha que é o produto final.
Baseado na graphic novel de Rick Remender e Greg Tocchini, o filme se passa em uma distopia na qual, para inviabilizar a prática de crimes, o governo estadunidense está prestes a submeter a população a um aparato tecnológico doloroso. Trata-se de uma espécie de chip por força do qual o indivíduo prestes a cometer um crime sente uma dor tão intensa que o impede de agir. Faltando poucas horas para que o sistema comece a funcionar, Bricke é convidado pelo casal Kevin e Shelby a praticar um último assalto.
A base que ampara o roteiro de Karl Gajdusek é sólida: uma sociedade dividida em razão de uma medida polêmica e um grupo que se associa para garantir seu futuro. Os problemas, inúmeros, partem justamente do instigante ponto de partida. Além de muito mal explicada (o que já induz a uma execução fatalmente ruim), a empreitada proposta por Kevin e Bricke é ofensiva aos canadenses ao propor que lá seriam pacificamente recebidos (o que garante que lá teriam uma vida tranquila? Como passariam pela fronteira?).
Se ao menos o protagonista fosse bem construído, talvez a narrativa pobre passasse quase despercebida. A seriedade impassível que Edgar Ramírez empresta a Bricke é reflexo do enorme clichê que a personagem representa: o herói inabalável, disposto a cometer as maiores atrocidades, desde que para isso não precise ferir o próprio código moral. O que fez com que ele se apaixonasse por Shelby? Foi o sexo? Foi a empatia pela situação vulnerável dela? Ou o desafio de conquistar uma mulher comprometida? Nada no filme fornece subsídios para que a pretensa história de amor consiga convencer – e certamente a expressão nula de Anna Brewster não colabora.
Em tese, Kevin seria a figura dúbia capaz de chacoalhar a trama (se é que é possível usar esta palavra nesse caso). Michael Pitt exagera, assume o tom caricatural da personagem pela linguagem corporal largada e pela verborragia irritante. Para a sua sorte, Kevin ao menos tem alguns traços de personalidade, já que o amigo de Bricke, Ross (Tamer Burjaq), tem serventia em apenas uma cena (ou seja, seu desenvolvimento é inexistente), enquanto que o policial Sawyer (Sharlto Copley) é previsivelmente um obstáculo para aparecer ao final (e nada mais).
Com conversas forçadas e inverossímeis e falas do tipo “eu sou apenas uma garota que gosta de carros rápidos e números grandes”, “The last days of american crime” não tem evolução narrativa alguma e – o que é pior – repete demasiadamente cenas cujo estilo é ultrapassado. Colocar duas personagens se enfrentando com o olhar e/ou palavras ácidas para, segundos depois, uma delas matar a outra, além de não causar surpresa, cansa pela repetição. A mise en scène de Olivier Megaton é uma verdadeira tragédia, pois nem ao menos as cenas de ação conseguem ser decentes. Por exemplo, naquela em que há três carros e muitos tiros, a desorganização da decupagem é flagrante.
Megaton parece perdido em sua obra, limitando-se a infindáveis litros de sangue jorrando na tela. Isso não seria problemático se houvesse algum fundamento coerente para tamanha selvageria. O filme, contudo, parece dizer que a violência justifica a si mesmo, sendo interrompida por sexo e conversas vazias. Há uma tentativa de simular a tensão pelas roupas avermelhadas de Kevin e Shelby, além de um flerte com o gênero western (como na fotografia amarelada e quando Shelby chama Kevin de John Wayne). Porém, é tudo mal executado e extremamente desinteressante.
Quando o longa chega na parte final, consistente no assalto projetado pelo grupo, o espectador já está cansado de duas horas de violência despropositada. “The last days of american crime” é um filme sádico, que glorifica as agressões ao colocar as personagens sempre tendo prazer ao ver o sofrimento alheio. Ao camuflar o subtexto de liberdade e hostilidade policial com toneladas de sangue, revela o quão estúpidas são as duas horas e meia da produção. Um tempo penoso como a brutalidade que lá aparece.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.