“O FILHO DE JOSEPH” – Disposição e paciência
A falta de naturalidade das atuações de O FILHO DE JOSEPH pode estragar a experiência. Ultrapassada a inusitada proposta formal (que não se reduz ao elenco), é possível adentrar em outros aspectos do filme, que passam a receber os holofotes.
No filme, Vincent é um adolescente que insiste em saber quem é o próprio pai, o que sua mãe, Marie, se recusa a responder. Quando descobre a identidade do genitor, vai atrás dele, decepcionando-se ao descobrir que não é o homem exemplar que ele esperava. Perdido, é ao conhecer Joseph, seu tio, que o rapaz reencontra a alegria.
De certo modo, o filme de Eugène Green é formulaico, mas não em sentido pejorativo. Primeiro, seu roteiro, do ponto de vista estrutural, tem pesado embasamento bíblico – nomes como Marie e Joseph não são à toa. Estruturalmente, dos cinco capítulos (circunstância que, por si só, confirma o viés formalista da obra), três deles são inspirados no Velho Testamento.
Também do ponto de vista imagético o longa tem esse viés, basta ver a réplica de “O sacrifício de Isaac”, quadro de Caravaggio, no quarto de Vincent. Aproveitando a mesma alegoria bíblica, Green faz uma inteligente adaptação (na obra original, o pai, Abraão, vai sacrificar o filho, Isaac, a pedido de Deus, com a intervenção de um anjo). Trata-se de uma releitura interessante com propósito mais narrativo que propriamente revisionista.
O roteiro, por outro lado, exige a suspensão da descrença em alguns aspectos: como um hotel daquele nível não tem controle de entrada? Marie não reconheceria a identidade entre a infância de Joseph e a de Oscar? Há fragilidade narrativa, contudo a construção das personagens é instigante e tem viés crítico. O vilão Oscar, vivido pelo sempre irrepreensível Mathieu Amalric, demonstra uma unidimensionalidade apriorística, dado que, para Vincent (Victor Ezenfis), é meramente um homem ruim. Não é bem assim: seu círculo reproduz o mesmo modo de pensar e agir. Na equivocada linha de raciocínio, Joseph (Fabrizio Rongione, que imprime doçura encantadora no papel) seria pura bondade, o que ele mesmo admite não ser o caso (quando conversa com Oscar).
Do ponto de vista sonoro, há extrema valorização de ruídos diegéticos em detrimento de extradiegéticos – a única exceção está com a canção de Emilio de’ Cavalieri no prólogo. Assim como outras manifestações artísticas, a música se torna um elo entre Vincent e Joseph, como se percebe na cena na Igreja. É bonito o vínculo formado entre eles, ainda que com um início pouco crível. Considerando que o protagonista ainda está formando a sua identidade e em busca de uma figura paterna – algo que é exposto de maneira gritante no primeiro ato, para ter certeza da compreensão do espectador -, seu inconformismo amplo justifica o diálogo áspero com a mãe. Verifica-se até mesmo certo niilismo de sua parte, como na cena com a chave de fenda.
Observa-se que é Joseph que devolve a alegria à vida de Vincent: é com ele o primeiro sorriso; são com ele as primeiras piadas (o humor é infantil, mas coerente). Pode parecer algo singelo, mas o sorriso ganha proporções monumentais em razão da opção do diretor em interpretações extremamente minimalistas, praticamente mecânicas, por parte do elenco. A escolha é arriscada: os artistas olham inúmeras vezes diretamente para a câmera, em primeiro plano (mesmo em diálogos cuja montagem é de plano-contraplano), raramente esboçando emoções, o que dificulta a identificação cinematográfica secundária – quiçá fornecendo monotonia às cenas.
No início, as conversas parecem ensaios para que as falas sejam decoradas, tamanha a artificialidade. Ao reduzir a importância das atuações, colocando-as no mesmo patamar de minimalismo, sobressaem o texto e as emoções que devem ser destacadas (como o sorriso mencionado). Da mesma forma, o figurino de Vincent chama a atenção: ele está sempre com ao menos uma peça azul de roupa; no começo, como símbolo da sua frieza; no meio, abraça o vermelho para revelar a agressividade até então oculta; no fim, retorna ao azul, porém ressignificado, vez que também utilizado por Marie e Joseph.
“O filho de Joseph” é sustentado por analogias bíblicas, um formalismo pouco usual e um enredo singelo. Seu maior mérito é a modéstia em dar contornos grandes a uma trama aparentemente pequena. É um filme que estimula a reflexão e a atenção aos detalhes, o que exige disposição e paciência.
* Filme disponível para ser assistido através do Festival Varilux de Cinema Francês em casa.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.