“WESTWORLD” [3ª TEMPORADA] – Livre arbítrio desorientado
WESTWORLD se tornou rapidamente uma série referência a partir de uma narrativa sofisticada e de temas provocativos e filosóficos. Nas duas primeiras temporadas, o público era desafiado a compreender e se questionar sobre o tempo, a tomada de consciência de si, a natureza humana e a percepção de sua própria existência. No terceiro ano, livre arbítrio, identidades e realidades passaram a ser abordados por conta da escolha da obra em se alterar. Mesmo que os novos trilhos desemboquem em um caminho desorientado.
Após sair do parque da Delos com os dados sobre os anfitriões enviados para o Além do Vale, Dolores chega ao mundo real decidida a se vingar da humanidade que a escravizou e manipulou ininterruptamente. O novo cenário em que está é a distópica cidade de São Francisco em 2054, onde Serac comanda a inteligência artificial chamada Rehoboam que programa o futuro dos humanos. Dolores e Serac disputam quem poderá proteger a própria espécie, contando com o ambíguo envolvimento de Charlotte, Maeve, Bernard e William, assim como com a aparição do misterioso Caleb.
Diferentemente das abordagens anteriores, os showrunners Jonathan Nolan e Lisa Joy desenvolvem episódios que questionam de diversas maneiras as identidades dos personagens e as realidades onde se encontram. Os robôs apresentam diferentes facetas, jamais parecendo ter uma única personalidade (Dolores carrega pérolas com informações replicáveis para outros anfitriões e oculta etapas do seu planos e seu significado; Bernard possui dentro de si comandos e dados que não compreende, mas podem ser cruciais para o embate central; Maeve busca reencontrar a filha e tem papel incerto nesse jogo de forças; e William sofre com os conflitos internos de sua psique) e a identificação de quem é Caleb é o grande enigma a ser resolvido para determinar sua influência na trama (seu passado é impreciso e outros personagens se perguntam sobre sua verdadeira identidade). Ao longo de cada núcleo, há duvidas quanto ao que é real e simulação, seja pela fabricação do ambiente por onde Maeve transita, seja pela idealização do mundo desejado por Serac e Dolores.
Dentro da discussão temática, ainda há referências ao aspecto religioso do livre arbítrio traduzido nos arcos da humanidade e das máquinas. A partir de paralelos entre Dolores e Caleb, humanos e anfitriões têm seus destinos traçados por terceiros sem que possam ter autonomia e o benefício do inesperado – um deles pelo Rehoboam e outro pela equipe criadora do parque – além de os conflitos dramáticos se basearem na conquista da liberdade de escolha e na condução das próprias vidas. Essa questão envolve também metáforas sobre divindades, desde a belíssima abertura contendo menções à pintura de Michelangelo na Capela Sistina e ao mito de Ícaro, até as posições que Serac e Dolores ocupam de criadores de um mundo novo e chegando aos outros personagens que denunciam as projeções autoritárias pretendidas pelos dois.
A produção igualmente modificou o tom geral da narrativa, desviando-se do ritmo lento, das cenas contemplativas, da não linearidade e do viés filosófico para optar pela ação mais dinâmica e pela moderação nos artifícios narrativos. Ainda que algumas sequências de ação tenham uma encenação atrativa (o confronto entre Dolores e Maeve no sétimo capítulo) a temporada se excede em querer criar muitas cenas nesse estilo sem tanta necessidade dramática e peca em algumas coreografias (o tiroteio em um laboratório envolvendo Stubbs e o ataque à ambulância onde Dolores estava). A transformação para uma história mais simples de acompanhar, a despeito das surpresas, cria contraditoriamente mais furos de roteiro, como na dinâmica entre Bernard e Stubbs e no apoio imediato de Caleb a Dolores.
Simultaneamente, a simplificação narrativa compromete o desenvolvimento de temas tão densos. Ao invés de provocar o espectador para decifrar o andamento da história e seus significados, os realizadores entregam cada explicação necessária em diálogos ou cenas expositivas. Quando um mistério surgia ou uma possibilidade inventiva aparecia para a narrativa, havia uma fala didática de Serac ou Dolores, um flashback ilustrativo ou a repetição textual do que a imagem já indicara para deixar tudo mais evidente. Assim, personagens são desperdiçados por não possuírem uma jornada própria relevante, como Bernard sendo um simples perseguidor atrasado de Dolores, e Maeve, um peão movido para participar de sequências de ação e repetir o quanto quer rever a filha.
Apesar de reduzir a complexidade da trama e dos modos de contá-la, ainda há méritos na concepção visual da distopia. Aquele mundo futurista abriga construções arredondadas, cheias de vidros e cores em espaços artificialmente organizados e contém veículos estilizados com portas e laterais de vidros extensos; em termos tecnológicos, discrepâncias não controladas pelo Rehoboam são simbolizadas por uma esfera cortada por traços negros que, em uma ocasião, se torna o olhar de Dolores através de um raccord preciso. Em outros momentos, as mudanças estéticas revelam a competência artística dos realizadores, mesmo que não sejam articuladas tão bem a uma função narrativa, como a viagem alucinógena de Caleb no quinto episódio.
Outros personagens se beneficiam da virada da obra, dentre eles Serac e Caleb. O primeiro representa o autoritarismo do sacrifício pelo bem maior sem cair no maniqueísmo superficial; já o segundo simboliza o homem comum que desafia seu lugar no mundo e as expectativas pessoais e sociais sobre si. As figuras antigas do elenco, em geral, tem o desenvolvimento interrompido quando se aproximavam do ápice, provavelmente deixando mais espaço para Charlotte e William para a temporada seguinte; enquanto Dolores sofre uma reviravolta na season finale que o roteiro ainda não havia sugerido ou oferecido pistas de que poderia ocorrer.
A liberdade de poder mudar seu rumo não trouxe resultados tão bons para “Westworld“. O elenco segue reunindo nomes de peso (Aaron Paul, Evan Rachel Wood, Vincent Cassel, Thandie Newton…) e temas instigantes continuam capturando a atenção e estimulando reflexões, porém as reclamações de parte do público sobre a complexidade da série parecem ter feito mal. O último episódio resume como simplificar a narrativa e o alcance filosófico geraram excesso de exposição, desperdício de personagens, fragilidades em inserir cenas de ação e a desorientação de um dos seriados mais arrebatadores dos últimos tempos.
Um resultado de todos os filmes que já viu.