“FROZEN 2” – Um timing vacilante
Os contos de fadas nunca poderiam ser os mesmos depois de “Frozen“, em 2013. A afirmativa pode parecer uma hipérbole apenas apelativa, mas ela guarda a percepção de que a animação fortaleceu novos paradigmas para esse tipo de história, através da quebra da fragilidade da donzela indefesa a ser salva e da ausência de um vilão tradicional. Sete anos depois, com o lançamento de FROZEN 2, os desafios são carregar o peso representativo do antecessor, evitar repetições simplificadoras e propor algo que justifique a continuação.
No novo filme, a infância das irmãs Elsa e Anna é revisitada por uma história contada pelo pai enquanto era um jovem príncipe em Arendelle. Esse mesmo conto sobre uma floresta mágica portadora de espíritos da natureza retorna sob a forma de uma ameaça para o reino. A resolução do perigo leva Elsa a entender mais sobre os seus poderes.
Na primeira camada, nota-se um arco envolvendo fenômenos da natureza, como entidades místicas, que abre espaço para um tom mais fantasioso do roteiro: uma magia antiga que se estende além das habilidades da protagonista com o gelo; gigantes de pedra; o rio Ahtohallan portador de memórias passadas; e o próprio universo por trás da família das personagens centrais. Por dentro dessa abordagem, está o tema do equilíbrio na relação com a natureza, estruturado por uma narrativa aventuresca (com mais cenas de ação) e um uso eficiente dos efeitos visuais (precisos na combinação entre natureza e elementos fantásticos.
Contudo, o subtexto principal que percorre a trama e os personagens são os efeitos do passado no presente e no futuro. Uma questão tão complexa assim exigiu uma perspectiva séria do filme que correspondesse à densidade de um tópico analisado por estudiosos de diversas áreas. A penetração do passado em outros tempos pode ser observada primeiramente em dois aspectos: o prólogo sobre a infância de Elsa e Anna se comunica com o presente narrativo através de uma panorâmica que entrelaça a floresta ao castelo em cronologias distintas; e as influências da magia ancestral sobre o ambiente revelam cenas já ocorridas do conto narrado pelo pai das jovens. Além disso, o conflito dramático central tem como objetivo chegar ao rio que transborda memórias.
O embate definido pelo transcorrer do tempo circula o roteiro sem atingir exatamente as jornadas das protagonistas. Para Elsa, não há indicações fortes de que ela se questionaria sobre seu lugar no mundo e seu desencaixe em função da posse dos poderes (excetuando-se uma breve cena musical em que o questionamento é subitamente plantado por forças externas). Assim, as dúvidas sobre o futuro e a possibilidade de buscar respostas no passado parecem conflitos de seus pais levados à força para ela. Já Anna mal possui um arco discernível, já que se inicia muito próxima emocionalmente da irmã e simplesmente reage aos fatos até ser atirada de paraquedas na conquista por autonomia.
A mesma discussão temática sobre os efeitos do tempo aparecem nas canções encenadas. Apesar de nenhuma delas se equiparar aos significados e ao sucesso de “Let it go“, as primeiras se articulam com o tema: “All is found” retrata a capacidade de o rio Ahtohallan ser um repositório de recordações e difusor desses ecos passados por distintas épocas; e “Into the unknown” representa como o futuro é um salto para o desconhecido por meio de uma encenação visualmente expressiva. Esta música foi alçada como grande destaque da animação, sendo inclusive indicada ao Oscar da categoria, porém “Show yourself” é mais poderosa dramaticamente e também concebida com grande beleza estética – ainda assim, ela se distancia do mote principal sobre o tempo por preferir uma mensagem libertadora, o que enfraquece a unidade da trilha sonora.
De forma menos coesa, os arcos de personagens coadjuvantes igualmente se aproximam da questão temporal. O humor, por sua vez, é o impacto que as interações de Olaf e Kristoff com o tempo pretendem gerar. No entanto, a comédia pouco se efetiva, pois o boneco de neve tenta criar piadas com os desafios do crescimento que não são engraçadas e apenas justifica sua presença em cenas (inclusive a pós-crédito) quando resume as tramas dos filmes; e o homem se limita a tentar pedir a mão de Anna em casamento, sem sucesso em muitos momentos (o personagem tem pouco a fazer e é colocado até em uma cena musical romântica completamente deslocada).
Existem similaridades dessa continuação em relação ao anterior no que se refere à força do protagonismo feminino e à independência quanto à presença de um vilão. Há também qualidades novas, possibilitadas pelo tratamento de um assunto ainda mais complexo com maturidade. Apesar disso, o desenvolvimento narrativo combinando aventura e drama não explora satisfatoriamente os conflitos dramáticos, o humor e as canções. Em comparação com o primeiro, “Frozen 2” se empalidece.
Um resultado de todos os filmes que já viu.