“FIM DE FESTA” – Esboço do país
Há uma noção popular – exagerada para fins satíricos, evidentemente – segundo a qual o ano, no Brasil, começa apenas depois do Carnaval. A ideia de FIM DE FESTA é similar, no sentido de que o fim de um ciclo festivo pode ser sofrido não apenas pelo encerramento em si, mas por consequências do que a festa pode ofuscar.
Na trama, Breno é um policial civil obrigado a encerrar precocemente as suas férias para solucionar um homicídio com repercussão midiática: uma francesa assassinada por asfixia em pleno Carnaval recifense. Chegando em casa, seu filho, Breninho, está com três amigos estendendo a festa. Paralelamente ao incômodo dos estranhos em sua casa, Breno pretende passar um tempo tranquilo com o filho ao passo que trabalha para resolver o difícil caso.
A ideia de Hilton Lacerda, diretor e roteirista do longa, é de muito potencial, mesmo não sendo exatamente original. A conexão entre a vida pessoal de um investigador e o caso investigado já foi objeto de inúmeras produções, demandando, em geral, alguém de talento para assumir o protagonismo. Irandhir Santos tem em Breno um papel complexo, mostrando ser um ator à altura da personagem. Porém, o desenvolvimento narrativo é que é aquém de Breno.
O texto se divide em dois arcos narrativos. Breno é um bom papel vivido por um bom ator, porém a trajetória na qual ele se encontra é insossa: são várias as diligências policiais, todas, contudo, desinteressantes. Por vezes, Breno está em uma situação levemente cômica (como no depoimento do pedreiro). Em outras ocasiões, o script apela ao clichê dicotômico policial bom versus policial mau. Mesmo quando o protagonista se despe do estereótipo benevolente (como na cena em que repreende a mãe de Samuel), o nível atingido é, no máximo, morno.
No segundo arco narrativo está Breninho (Gustavo Patriota, discreto), que, junto com sua amiga Penha (Amanda Beça, mais proeminente) e os novos amigos Ângelo (Leandro Villa, o destaque do grupo) e Indira (Safira Moreira, a mais contida). Entre divagações e militâncias, os quatro aproveitaram bem o Carnaval e, na verdade, continuam aproveitando antes que Ângelo e Indira vão embora do Recife. Breninho e Penha são amigos de infância e os dois sabem de uma dor do passado de Breno, que é uma questão que ainda o machuca. A lateralidade com que o assunto é tratado, porém, faz com que ele fique vago e perca a intensidade que o ator (Santos) poderia fornecer. Mesmo quando o grupo opta por “militar”, a contribuição é maior para o contexto e para o subtexto do que para o texto em si, ao menos em termos narrativos.
No que se refere ao contexto, fica claro que os quatro querem defender uma bandeira ideologicamente progressista, encontrando um primeiro conflito, muito leve, com Breno, em sua primeira aparição. O Zeitgeist é de confronto ideológico, então a cena da praia é verossímil. Quanto ao subtexto, existe tanto o choque de gerações (a hostilidade da cena da praia, mais uma vez) quanto, principalmente, a forma pela qual o povo encara o Brasil. Está forte no roteiro a descrença popular na nação, pois são várias as personagens que reclamam do país, que não seria sério (vizinho de Breno) ou que seria conservador (Penha) – ou pensamentos mais extremos (mãe de Samuel).
E o assassinato da francesa? Como se vê, é a parte menos chamativa da trama. Em questões periféricas – como o premiado conto de Breninho e até mesmo o engraçado jeito expansivo de Ângelo -, há muito mais brilho. Entretanto, a mão do diretor pesa em cenas contemplativas que destoam do tom da obra (as capturas de Penha no Carnaval, com voice over marcante, eco e música de fundo tensa) ou mesmo desnecessárias (qual a razão de mostrar o banho de Ângelo, se já ficou claro que ele se sente em casa?).
“Fim de festa” é um filme com os pés no chão, pois retrata realidades bastante críveis. Quando adentra em seu protagonista, como ao mencionar seu envelhecimento (o que concordam Valdelice e Penha) e ao aproximá-lo de uma fantasia (como símbolo da sua vontade voraz de escapar da vida profissional e quiçá também da pessoal), o longa é mais atraente. A obra seria melhor sem o fio condutor relativo ao crime que ele soluciona. Mesmo assim, o que subsistiria é um esboço de um país multifacetado e com uma população inconformada. Não obstante, há produções melhores sobre o mesmo assunto.
* Filme disponível em VOD (Net NOW, Vivo Play, Oi Play, iTunes, Youtube e Gogle Play) a partir de 1º de maio.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.