“SEGREDOS NA NOITE” – Sem drama, pouco suspense
Tudo começa com um drama sombrio e pesado sobre traumas infantis causados por crimes gravíssimos. De repente, a partir de uma fala central, a trama envereda em direção a um suspense pouco interessante, prendendo o espectador apenas pela curiosidade em relação ao desfecho – que, por sua vez, encaminha-se em uma terceira direção. Isso é quase tudo que é preciso saber sobre SEGREDOS NA NOITE.
O longa é protagonizado por Gabriel Noone, um radialista que apresenta contos baseados em sua vida. Graças a um amigo, ele começa a conversar por telefone com Pete, um fã adolescente que sofreu abusos na infância. Os dois se aproximam, porém Donna, a mãe adotiva do garoto, não parece disposta a permitir a aproximação.
A premissa do roteiro é instigante: como vai se comportar um garoto que passou por experiências tão dolorosas? Patrick Stettner e Armistead Maupin (este autor da obra que deu origem ao filme) chegam quase ao sensacionalismo ao usar os traumas de Pete como chamariz. Rory Culkin (irmão mais novo de Macaulay) divide bem o papel entre o silêncio de uma personalidade deprimida e a verborragia levemente agressiva de um adolescente precoce. Destaca-se em especial pelo trabalho de voz, já que pouco aparece.
Toni Collette também não aparece muito, impressionando muito mais pelo visual do que pelo trabalho interpretativo. A atriz não é plenamente eficaz no desafio de interpretar uma cega, balançando em demasia a cabeça ao falar (inclusive na direção do interlocutor), recurso muito mais utilizado pelas pessoas que enxergam. Além disso, em algumas cenas, ela revela um overacting nada benéfico para o papel, que já não é simpático. De positivo em Donna está a composição visual: sem maquiagem, aparentemente com prótese na boca para exaltar a dentição – metaforicamente, como se ela fosse perigosa – e com um figurino opaco e singelo.
Toda a simpatia ausente em Donna está com Gabriel, em parte em razão do seu intérprete. Robin Williams transborda as emoções sentidas pela sua personagem como se fossem reais: quando Gabriel sente o alívio de uma melhora de saúde de Pete, sua alegria é contagiante; quando ele está com raiva de Jess (Bobby Cannavale, só não menos desperdiçado que Sandra Oh, que vive uma mera confidente de Gabriel, para que ele não fale sozinho), essa raiva é corrosiva também para o espectador. Gabriel é uma personagem complexa, sofrendo com um pai extremamente preconceituoso e rude (para dizer o mínimo), um marido (Jess) mais jovem (o que por si só pode ser problemático) disposto a aproveitar novamente a juventude e escassas interações sociais.
A conexão entre Gabriel e Pete parece gerar um elo paterno-filial, como se os dois se completassem. A composição dramática, nesse caso, teria grande potencial. Entretanto, o texto abandona completamente o backstory dos dois para inserir artificialmente um suspense incapaz de atrair o público. Há no script um grave problema de foco narrativo, com cenas desnecessárias (a conversa no avião, o policial que encontra Gabriel) e reflexões incoerentes com a proposta (por exemplo, sobre o significado de verdade e realidade).
Na direção, Stettner eventualmente usa ferramentas bem-vindas para o suspense, como o vidro embaçado no restaurante e a misteriosa escuridão da casa de Donna. Da mesma forma, a trilha musical, a despeito de algum exagero, faz sentido para o gênero. Entretanto, todo o arcabouço imagético e sonoro se revela inútil na medida em que o substrato textual é deveras frágil. Muito melhor teria sido seguir o rumo do drama, já que o potencial, em tal hipótese, era imenso. No viés dramático, o filme é frustrante; no suspense, descartável.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.