“LA CASA DE PAPEL” [4ª TEMPORADA] – Estímulos sensoriais
Abraçar um tom fantasioso, contemplar novas situações fora da Casa da Moeda e aprofundar o lado social da disputa entre poderosos e marginalizados foram os elementos capazes de aumentar a qualidade de LA CASA DE PAPEL na terceira parte. Mesmo contendo inconsistências narrativas e redundâncias na linguagem, tais episódios entregavam uma diversão mais consistente do que as primeiras temporadas. Condição semelhante acontece com a quarta parte da série, que evolui no envolvimento emocional, mas peca na condução factual da trama.
Os novos capítulos também se passam no banco da Espanha, onde os assaltantes enfrentam dificuldades ainda maiores por conta das ações intempestivas e condenáveis da policial Alicia Sierra. O Professor precisa fugir da polícia enquanto acredita que Lisboa foi executada, sendo que ela se encontra detida para interrogatório; já os outros ladrões tentam salvar Nairóbi, alvejada pelos policiais, ao mesmo tempo que Tóquio e Palermo disputam a liderança do bando. Além dessas adversidades, também precisarão lidar com os reféns cada vez mais desafiadores e perigosos.
Em comparação aos demais anos, a narrativa recente é a que mais cria estímulos sensoriais para o espectador em termos quantitativos e qualitativos. Diferentes reações emocionais são evocadas, passando com fluidez de uma a outra: a tensão psicológica do confronto entre Lisboa e Alicia colocando a dúvida se alguma delação será feita ou se a mulher presa corre grandes riscos; a empatia diante dos traumas sofridos por Rio após as sessões de tortura e durante os desafios no banco; o suspense resultante da montagem paralela durante a operação de Nairóbi enquanto as autoridades bloqueiam a comunicação do local, e na execução das diversas partes do plano no oitavo episódio; e a adrenalina presente nas muitas cenas de ação envolvendo os protagonistas e um novo antagonista surgido entre os reféns com trocas de tiros e perseguições.
Tais sequências sensoriais levam o entretenimento para um rumo diferente daquele que se observava quando os conflitos emocionais ocorriam através da dinâmica de duplas de personagens. Agora a série se torna ainda mais movimentada dentro do gênero de ação, sem minimizar, contudo, os dramas ali existentes porque o arco narrativo passa a ser o grupo enquanto uma família. Nesse sentido, seus laços se estreitam como parentes dividindo infelicidades e prazeres, intensificando o companheirismo e encarando a perda trágica de um deles – uma cena chocante também para o público, que se espanta com o ocorrido e sente seus desdobramentos graças à trilha sonora melancólica, à suspensão dos sons diegéticos enquanto alguns choram e outros gritam e à alternância de planos com frames da vítima e de seus companheiros reagindo àquela morte.
Parte do engajamento sentimental com o drama dessas figuras também vem do uso de alguns flashbacks. O recurso é bem-sucedido para as jornadas de redenção de Palermo, que carrega um ressentimento considerável pela falta de um amor concretizado, e de esperança de Nairóbi, que projeta seu futuro de maneira otimista e integrada aos colegas. Entretanto, outras inserções do passado apresentam poucos impactos sobre a linha cronológica central, como a relação conflituosa entre Denver e Estocolmo, a sofisticação ininterrupta das estratégias do assalto com o Professor imaginando como superar mínimo obstáculo no caminho e a conversa de Denver com uma companheira do crime sobre identidade de gênero.
Se por um lado a dimensão sensorial funciona, por outro os eventos da trama pouco avançam e criam a sensação de uma estagnação narrativa. A expectativa de uma guerra é interrompida por uma nova interação entre policiais e assaltantes, assim como pela simples abordagem das consequências dos capítulos anteriores: o Professor ajuda o grupo a sobreviver dentro do banco e se reorganiza para se proteger do risco de prisão e para libertar Lisboa; conflitos internos se insinuam dentro do bando (o triângulo formado por Denver, Rio e Estocolmo e os embates pela liderança entre Palermo e Tóquio) ou com os reféns (representados pela presença pouco coerente de Arturo nas duas últimas temporadas); e o aparecimento de um novo antagonista, que ameaça os ladrões devido ao seu conhecimento bélico e à sua postura violenta. Cada um desses elementos indica que falta uma progressão maior em relação aos planejamentos de fuga com o ouro e aos enfrentamentos com a polícia.
Do mesmo modo, as questões sociais antes patentes se enfraquecem ou ficam restritas aos episódios finais. A luta contra um sistema financeiro e policial injusto é mencionada esporadicamente quando manifestantes aparecem em frente ao banco ou nos momentos em que a imprensa revela os desmandos das autoridades – inclusive, a sugestão de que os reféns poderiam ser um tipo de resistência na fala de Arturo é esquecida rapidamente. Ademais, o empoderamento feminino surge em raros instantes, por intermédio de Nairóbi e Tóquio, porém não se articula à história como acontecia anteriormente.
O andamento da narrativa é igualmente comprometido pela narração em voice over de Tóquio, que pouco agrega às situações retratadas. Inicialmente, ela levanta temas que perpassam os riscos assumidos pelos personagens (a dualidade entre amor e morte e as transformações que o passado pode ter com o passar do tempo), mas sem uma comunicação orgânica com os conflitos surgidos. Posteriormente, se tornam comentários ilustrativos do que as cenas já mostravam visualmente (as reações à morte ocorrida nessa temporada e as novas etapas do plano).
A quarta parte de “La casa de papel” se assemelha muito à anterior: possui méritos em aspectos numerosos da sua proposta, enquanto vários outros ainda precisam de ajustes. Essa condição dividida quase perfeitamente entre virtudes e fragilidades assinala como a série ainda procura uma articulação entre aprimoramento do roteiro e liberação de estímulos sensoriais e emocionais. Quando um dos lados dessa balança fica mais pesado, o equilíbrio não é obtido e algumas possibilidades artísticas não são alcançadas. A diversão está presente (mais forte do que nunca), porém sem apagar a sensação um pouco frustrante de que o freio de mão foi puxado para explorar o sucesso da produção por mais um ano.
Um resultado de todos os filmes que já viu.