“JOIAS BRUTAS” – Fidelidade ao nome
A fidelidade de JOIAS BRUTAS ao próprio nome – traduzido sem modificação do inglês (“Uncut gems”) – é levada a um extremo metafórico que não é exatamente elogioso. O filme é, de fato, uma joia. Contudo, não é uma joia bem trabalhada, apresentando-se no estado bruto, ou seja, aquém do ideal.
Dono de uma loja de joias, o protagonista Howard está afundado em dívidas. Para resolver a sua situação, a solução é vender uma pedra não lapidada descoberta na Etiópia. Na sua avaliação, ela vale milhões. Quando Kevin Garnett (“K. G.”), jogador da NBA e cliente assíduo de Howard, vê a pedra, demonstra interesse em tê-la para si como um amuleto de boa sorte. A ideia de Howard, todavia, é levá-la a leilão, onde poderá lucrar ainda mais. Para isso, ele precisa ganhar tempo com seus cobradores, que ficam cada vez mais impacientes.
Estruturalmente, o plot conta com cinco núcleos – Etiópia, família, trabalho, jogadores e apostas -, todos girando em torno da dívida de Howard. O primeiro é circunscrito ao prólogo, porém repetido enquanto tema em um diálogo entre Howard e KG, em uma brevíssima reflexão sobre a background das pedras preciosas (sem muito aprofundamento, mas com um mínimo de criticidade). Quanto aos outros quatro, as dívidas do protagonista reverberam nas diferentes esferas das suas relações sociais.
Enquanto precisa driblar os cobradores, Howard coloca toda a sua atenção no imbróglio que ele mesmo gerou, o que faz com que o tempo dedicado à família se torne diminuto. Pouco se sabe sobre a interação dele com a esposa e com os filhos antes das cobranças incisivas (embora existam fortes indícios de que o relacionamento conjugal estava ruindo), mas a bola de neve que ele vai alimentando o impede das práticas familiares mais banais, como desejar boa noite para o filho mais novo. Da mesma forma, no trabalho, tudo parece dar errado, de modo que a joia parece a solução para os seus problemas. Enquanto isso, sua loja é alvo fácil de visitas indesejáveis.
O universo dos jogadores e das apostas é um pouco mais fluido e, principalmente, imprevisível. Justamente por isso, Howard, de maneira imprudente e, no mínimo, ingênua (quiçá tola), resolve assumir enormes riscos para lucrar mais (ou, evidentemente, perder tudo). O protagonista ingressa em uma espiral perigosíssima de flerte com a sorte, ou, mais precisamente, com o azar. Tudo o que poderia ocorrer em seu desfavor efetivamente ocorre, com certo exagero enquanto licença poética. Ao invés de solucionar magicamente os seus problemas, o que o roteiro de Benny Safdie, Josh Safdie (que também dirigem o longa) e Ronald Bronstein faz é lançar intempéries contra seu herói. Muito melhor que seja esse o caminho, ao invés de deus ex machina, porém o itinerário acaba se tornando cansativo.
Além disso, o filme sofre com um pequeno problema de ritmo. Nos primeiros minutos, tudo é tão rápido que quase chega ao nível do confuso. A trama é dinâmica e complexa, o que faz com que o ritmo frenético dificulte a identificação cinematográfica secundária. Não é injusto mencionar que a ótima trilha musical apresenta um certo descompasso com o andamento da obra como um todo. As músicas têm personalidade forte e combinam com a psicodelia de algumas passagens, como a cena com luz negra, porém a película não parece se decidir quanto à atmosfera que vai criar. O mérito da genuína tensão criada é do roteiro, que gera curiosidade quanto ao desfecho, ao passo que a estética soa indecisa. Por exemplo, no começo, Howard veste uma camiseta de cor mostarda, simbolizando a riqueza que ele deseja, entretanto o figurino de todo o resto do filme (salvo na cena da boate) é inexpressivo.
No elenco, alguns nomes são conhecidos (LaKeith Stanfield, Idina Menzel etc.), porém é evidente o destaque para Adam Sandler, responsável por viver Howard. Exceto no clímax dramático, Sandler não foge muito dos papéis estúpidos que costuma ter nas comédias ruins que protagoniza. É difícil ignorar os tiques já conhecidos (como a boca aberta com expressão de perplexidade), que não ficam ocultos pelo cavanhaque. Para quem está acostumado com filmes como “Mistério no Mediterrâneo”, certamente impressiona o trabalho em “Joias brutas”, todavia a atuação em “Os Meyerowitz: família não se escolhe” ainda é superior. Mesmo assim, nada marcante quando Sandler é comparado com qualquer ator com uma carreira mais consistente. Essa é a sua vantagem: ele faz tantos filmes ruins com personagens ruins que, quando faz um filme melhor (e, por via de consequência, atuando com personagem melhor), chama a atenção. Na melhor das hipóteses, ele é um talento a ser aprimorado, uma joia bruta. Muito bruta, por sinal.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.