“TITÃS” [2ª TEMPORADA] – Nem sempre é sobre heroísmo
* Clique aqui para ler a nossa crítica da primeira temporada.
Afirmar que a segunda temporada de TITÃS não é apenas sobre heroísmo pode surpreender aqueles que já a assistiram anteriormente. Nesse sentido, a surpresa é um atrativo e uma qualidade para os novos episódios ao não se restringir à aventura fantasiosa de um grupo de mascarados combatendo o crime. Há uma estrutura dramática mais consolidada do que em em sua estreia, que conduz aqueles heróis a caminhos pouco esperados para o espectador já familiarizado no universo. Nem sempre, entretanto, o potencial se concretiza e o excesso de ideias se torna uma faca de dois gumes.
O segundo ano da série original Netflix começa do cliffhanger deixado pela primeira temporada, quando Trigon ameaçava destruir os mundos que encontrava. Logo após superar a ameaça, os super-heróis se veem novamente cercados por novos perigos quando antigos inimigos reaparecem. Com a chegada de Dr. Luz e do Exterminador, eles precisam se reunir para enfrentar não apenas os dois vilões como também os próprios conflitos surgidos dentro da equipe.
Inicialmente, a narrativa parece querer abraçar o tom heróico estilizado e juvenil das HQ’s e de seriados como “Arrow” e “Flash” e descartar o realismo violento até então trabalhado. Percebe-se essa mudança desde a abertura, trazendo um season finale adiado (que poderia muito bem ter sido encerrado na temporada anterior) para já colocar os Titãs em ação e sob risco. Além disso, outros elementos do roteiro ou da mise-en-scène reafirmam uma abordagem pueril do heroísmo, tais como a disposição espacial dos personagens prestes a lutarem na situação banal de sair de um elevador, os vários establishing shot mostrando a Torre como QG do grupo, a predisposição de Dick Grayson em treinar Rachel, Garfield e Jason para encarar novos vilões que apareçam e a existência de planos de vingança dos arquinimigos.
Essa perspectiva, inclusive, faz com que uma das marcas positivas da série se perca: o estilo realista e violento das lutas que, claramente, mostrava o resultados dos golpes cedeu lugar a coreografias cada vez mais fantasiosas que escondem a brutalidade do que é feito. Ademais, os efeitos visuais passam pelo mesmo processo de instabilidade, já que eles até funcionam quando há algo fantástico e irreal em cena (a liberação de poderes, por exemplo), porém estão carregados de artificialidade em situações cotidianas que deveriam parecer palpáveis sem chamar a atenção para a criação computadorizada (um caminhão arremessado sobre alguns personagens e o salto de um cachorro, por exemplo).
Por outro lado, a trama se enriquece ao conferir uma base dramática coerente ao desenvolvimento dos heróis e de seus embates internos. Ao invés de dar a narrativa uma escala grandiosa de ação, missões e desafios que envolva a destruição do mundo ou algo parecido, os criadores Akiva Goldsman, Geoff Johns e Greg Berlanti optam por algo intimista e emocional atrelado à noção de família. Para além de uma equipe que combate o mal, os personagens se tratam e se veem dentro de um lar – chamam assim a Torre onde vivem, tem segurança e interagem -, comentam continuamente que fazem parte de uma família – apesar de não terem qualquer parentesco se sentem unidos por aspectos mais complexos do que o sangue – e se relacionam como parentes que também lidam com conflitos familiares – os mais novos em atrito com os mais velhos, romances se desgastando e outros surgindo, planos antagônicos para o futuro, entre outros. Desse modo, é curioso como os objetivos dos vilões envolvem a separação daquela composição parental heterodoxa, não se limitando à ameaça física e colocando os dilemas de conseguir viver juntos e aceitar as particularidades do outro.
Dr. Luz e Exterminador igualmente são responsáveis por proporcionar outra dimensão do conflito familiar predominante: o ressurgimento do passado que contamina o presente. Dessa questão, emergem traumas desafiadores para serem superados ou, no mínimo, atenuados que englobam missões anteriores dos mascarados e ressentimentos daquilo que viveram ou de segredos guardados a sete chaves. A formação original dos Titãs, composta por Dick, Donna, Dawn e Hank, simboliza o peso das perdas, a dor de se reunirem novamente para finalizar o que foi mal resolvido e o reaparecimento de confidências até então caladas. Por conta disso, dois episódios em formato de flashback inseridos ao longo da temporada servem tanto para a explicação dos acontecimentos quanto para a representação do afloramento do passado em qualquer período futuro que se imagine.
Mesmo com os méritos citados, a abordagem não se encontra livre de fragilidades. Roteiro e direção sofrem constantemente com a quantidade de personagens e conflitos individuais para trabalhar, desenvolver e concluir que resultam em múltiplas subtramas e núcleos correndo em paralelo e, por vezes, se encontrando: o segredo do passado de Dick, a busca pela união da família e a influência de Bruce Wayne; a questão da origem alienígena de Kory; a busca por identidade de Connor; os traumas da perda sofrida por Donna; as brigas do casal Dawn e Hank; o controle das habilidades para Rachel; a autoafirmação de Jason; e o senso de coletividade atribulado que preenche todos eles. O inchaço da produção faz com que alguns personagens desapareçam e ressurjam repentinamente (Garfield deixado de lado e Jason subvalorizado), algumas resoluções são inverossímeis (a reunião de alguns heróis em um bar) ou forçadas (os diálogos expositivos na jornada de Kory) e os temas são mastigados didaticamente como se o público fosse incapaz de entendê-los (da boca dos personagens saem inúmeras vezes a reafirmação do porquê são uma família e quais são os desafios dessa união).
Potencialmente, a segunda temporada de “Titãs” poderia ir além do que o primeiro ano conseguiu por conseguir combinar com maior eficiência diversão e estrutura dramática. Isso porque os novos episódios não abandonam completamente o heroísmo em favor das discussões sobre família, como se nota na progressão dos últimos episódios em direção ao fortalecimento da equipe e do seu trabalho em conjunto. Ainda assim, o desejo de contemplar muitas nuances, subtramas, personagens e reviravoltas faz com que a série, por vezes, escape das mãos dos realizadores e comprometa seu foco. Por consequência, suas perspectivas diferentes fazem com que a série ainda esteja no mesmo nível mediano de antes por mais riscos que decida correr.
Um resultado de todos os filmes que já viu.