“ESQUADRÃO 6” – A marca registrada de Michael Bay
O envelhecimento pode trazer maturidade, sabedoria e tranquilidade. Em se tratando de Michael Bay, tem ocorrido o inverso nas obras que dirige. Ainda assim, parece que a Netflix deu carte blanche ao cineasta, que reúne em ESQUADRÃO 6 todas as características ruins pelas quais ele tem se destacado (negativamente) nos últimos anos.
O filme conta a história de um grupo de pessoas habilidosas que, lideradas por um bilionário, forjam a própria morte para salvar os cidadãos do fictício Turgistão do terrível regime ditatorial que os assola.
Atribuído a Paul Wernick e Rhett Reese, o roteiro – se de fato foi elaborado – é puro pretexto para intermináveis e caóticas sequências de ação, para o deleite do controverso diretor. O subtexto sobre família (para deixar a franquia “Velozes e furiosos” orgulhosa) e altruísmo se dilui em um enorme vazio que é o script do longa. A construção das personagens é ridícula: são todas estereotipadas e vazias, o que se denota dos nomes utilizados e das suas apresentações.
O líder do grupo, assim como todos os demais, usa um número como codinome: Um – número que coincide com a nota, em escala de zero a cem, para a criatividade demonstrada. A ele se juntam – e aqui a criatividade é revelada novamente – Dois, Três, Quatro, Cinco e Seis. Para não ficar aquém da Branca de Neve, mas sem superar os odiados de Tarantino, tem também um Sete na equipe (ao menos as referências são boas!). Ryan Reynolds, Mélanie Laurent, Manuel Garcia-Rulfo, Ben Hardy, Adria Arjona, Dave Franco e Corey Hawkins são os sete que participam dessa bagunça que alguns chamam de filme.
Como se não bastasse a fertilidade da imaginação com os nomes das personagens, o didatismo é pavoroso ao apresentá-las com as respectivas funções: o milionário, a médica, a espiã, o cara do parkour etc. Quando morre um integrante do time, tanto faz, já que são todos descartáveis. Quando o texto tenta criar algum backstory, a narrativa se torna ainda mais confusa do que já é – o que é um grande feito, considerando a utilização de narração voice over como muleta.
São vários os flashbacks que, a rigor, em nada acrescentam, salvo para deixar o espectador perdido quanto à cronologia da história. Por exemplo, não fica claro o presente diegético, circunstância que deixa uma enorme lacuna quanto à morte forjada do líder dos vigilantes. Sem dúvida, o trabalho de montagem de Roger Barton, William Goldenberg e Calvin Wimmer colabora muito para esse desastre. O mero fato de ela ter sido feita a seis mãos não deve ser autorreferência (ao título), mas indicativo da má qualidade do longa nesse quesito.
Não custa lembrar que uma das especialidades do diretor Michael Bay, desde que iniciou, em 2007, a franquia “Transformers”, é justamente a montagem ruim. Não obstante, ele tem obras razoáveis no seu currículo anterior aos robôs, como “Os bad boys” e “Pearl Harbor”. Após 2007, todavia, começou a direção que virou sua “marca registrada”, caracterizada por explosões infindáveis, vício em slow motion, design sonoro grosseiro, excesso de cortes prejudicando a visualização das cenas, desnecessária grandiloquência e ação descerebrada – sem olvidar a “cereja do bolo”, o machismo, e agora uma adição, o gore.
O humor estúpido (como na cena do gás do riso) e escatológico (como na referência anal na cena com o nervo ótico) é de uso comum no cinema, mas não seria um trabalho de Michael Bay sem piadas machistas (a nível de pausar uma sequência de perseguição para mostrar Seis admirando uma mulher e falando que adora a Itália). Mas a objetificação precisa ser explícita: várias mulheres aparecem de lingerie e em posição sexualizada. É pouco: são filmadas em contreplongée. Deixando clara a infantilidade da obra, um dos vilões usa uma camiseta com duas flechas, uma para cima e outra para baixo, escrito “o homem” na primeira e “a lenda” na segunda (em alusão ao seu órgão sexual).
Cenários maravilhosos (como a Galleria degli Uffizi, em Florença), são desperdiçados em razão dos cortes frenéticos. Aliando isso aos enquadramentos ruins, as cenas de parkour são muito mal exibidas. Em aviltante desrespeito a outras manifestações artísticas, a imortal escultura “Davi”, de Michelangelo, aparece de maneira jocosa, enquanto Carl Orff deve estar se revirando no túmulo pela sua incomparável cantata “O fortuna” estar em “Esquadrão 6” (mais precisamente, em versão de Spiritual Project). Canções de forte personalidade e que marcaram época, como “Lose yourself” (Eminem) e “Wannabe” (Spice Girls), são utilizadas como músicas de preenchimento quaisquer. A morte é abordada com certa romantização, seja pela banalização – onde entra o gore (por exemplo, ao mostrar o resultado da explosão de uma cabeça) -, pela técnica (novamente o slow motion, em doses que permitam o gozo do público sádico) ou pela ideologia (os “heróis” deram a si mesmo licença para matar).
Quando Quatro sai seco de uma piscina, o erro de continuidade parece ínfimo diante das explosões que tiram o foco de tudo que deveria interessar (conteúdo, que simplesmente não existe no filme). A última explosão é um alívio, ao menos até lembrar que Michael Bay já tem novos projetos engatados.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.