“CRIME SEM SAÍDA” – Qual a diferença?
Qual a diferença entre um criminoso que mata um policial e um policial que, de maneira ilícita (isto é, não agindo, por exemplo, em legítima defesa), mata um criminoso? Resumidamente, são duas as respostas possíveis (a depender do pensamento da pessoa que responde): (1) nenhuma, ambos cometeram homicídio; (2) o criminoso está sujeito a esse tipo de desfecho pelo simples fato de optar pela vida à margem da lei. Adicionando camadas a essa pergunta aparentemente simples, CRIME SEM SAÍDA é um filme de ação que, além de funcional, propicia algumas reflexões sobre um assunto tão contemporâneo quanto é o empoderamento policial.
O longa conta a história do Inspetor Andre Davis, detetive encarregado de encontrar dois criminosos responsáveis por matar sete agentes durante um roubo. O desafio é ainda maior para ele por duas razões: seu pai também era policial e foi morto em serviço; ele está com problemas burocráticos por ter matado suspeitos durante algumas de suas operações. Dessa vez, alguns colegas da categoria esperam que ele repita tias atos, vingando os falecidos.
O diretor Brian Kirk tem em “Crime sem saída” uma oportunidade muito boa para sair do convencional. Entretanto, o cineasta não consegue ser ousado, adotando os clichês técnicos dos filmes de crime que envolvem ação e suspense. Na ação, cortes frenéticos com perseguição e inúmeros projéteis errando o alvo (um acerto, contudo, é que não há uma espetacularização do gore decorrente dos tiroteios); no suspense, músicas genéricas e planos pouco inventivos.
Há que se reconhecer, todavia, alguns flashes de inspiração, como a invasão das residências no Harlem filmada com câmera na mão, a utilização da bandeira dos EUA como ironia do conteúdo das cenas em que aparece e uma rima visual das duas cenas em que os suspeitos são encurralados (primeiro, na adega de um restaurante, cercados de vinhos; depois, no que parece ser um açougue). Com detalhes interessantes como esses, causa estranheza uma bobagem como a pontuação dos horários, o que não agrega nada à película.
A cena dramática entre Chadwick Boseman (Andre) e J. K. Simmons (Capitão McKenna), uma das melhores, chama a atenção muito mais pelo bom trabalho dos dois atores do que pela direção em si. Aliás, esse é um dos poucos – se não o único – momentos em que há maior profundidade nas personagens. Isso porque o roteiro de Adam Mervis e Matthew Michael Carnahan apresenta graves problemas. O primeiro está no protagonista, a quem Boseman tenta imprimir densidade, mas é sabotado por um roteiro, nesse quesito, maniqueísta. Os colegas chamam Andre de “homem certo para o trabalho” porque supostamente ele não tem escrúpulos para matar suspeitos – mais ainda em se tratando de quem matou policiais, o que poderia trazer à tona o trauma da morte do pai (ferida inexplicavelmente desperdiçada) -, porém não é isso que é visto em cena. Ao contrário, Andre tem um norte moral elogiável e contraditório com esse backstory apresentado – no fundo, é um passado muito mal contado.
Quanto aos criminosos, Stephan James é Michael, um rapaz negro inteligente que foi levado ao crime pelas circunstâncias (um backstory vago), enquanto Taylor Kitsch é Ray, um homem branco bem experiente na criminalidade. A relação entre os dois é bem explorada e é relevante para evitar o mencionado maniqueísmo (que fica apenas com Andre): Ray assume uma posição de irmão mais velho perante Michael, de modo que os dois se completam justamente por serem bem diferentes. James tem seu rosto mais limpo, Kitsch está com maquiagem de envelhecimento e com cicatriz (denotando seu histórico conturbado); da mesma forma, enquanto Michael evita tirar vidas inocentes sem necessidade, Ray não se importa em matar quem minimamente puder atrapalhá-lo.
Ou seja, a dificuldade do roteiro foi mesmo na construção dos policiais, que se revelam extremos da perfeição (Andre) e da imperfeição (McKenna). Um dos diálogos entre eles que elucida bastante o perfil de cada um é aquele em que o capitão tenta convencer o inspetor que matar Ray e Michael seria melhor para as famílias dos agentes assassinados, pois assim seriam poupados de um longo e doloroso processo judicial. O texto perde a oportunidade, todavia, de dar novas nuances à sua narrativa – que, por sinal, é extremamente óbvia a partir do incidente incitante (o filme inteiro pode ser previsto já desde o primeiro ato) -, como o envolvimento do prefeito (limitando-se a mencionar que a ideia de fechar Manhattan seria dele).
Com um protagonista pouco consistente (se ele é tão rígido com seus valores, não faz sentido reforçar o trauma de infância com uma dispensável celeuma com a corregedoria) e passagens inúteis (como a que Andre conversa com a mãe já idosa, cena que não tem função nenhuma), “Crime sem saída” tem a sabedoria de não criar uma trama rebuscada, facilitando a investigação graças à imprudência dos suspeitos. Se trabalhasse melhor o seu mote – o perigoso poderio da força policial -, seria um filme necessário. Após assistir ao longa, dificilmente as pessoas vão mudar suas respostas para a indagação do início do texto.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.