“O JUÍZO” – Resultado dramático
Fazer cinema de gênero não é fácil, menos ainda quando não existem os recursos holywoodianos para serem utilizados. O que O JUÍZO faz, contudo, é imitar o que já existe, piorar em progressão geométrica e entristecer pelos nomes envolvidos. Aterrorizar, que é o objetivo do terror, com certeza não faz.
No filme, Augusto (“Guto”) decide se mudar com sua esposa Teresa e seu filho Marinho para uma enorme propriedade familiar rural, bem afastada da cidade. Sua ideia é ficar longe dos problemas cotidianos, adotando um novo modo de vida. Porém, dois espíritos que também habitam a região não permitem que a família fique em paz.
Embora pareça, não é meramente um filme de espíritos. Há uma inspiração bem evidente em um renomadíssimo clássico (cujo nome será omitido para evitar a previsibilidade da história), porém a roteirista Fernanda Torres não tem a habilidade necessária para abordar assuntos complexos com a densidade que eles exigem. A narrativa é muito mal desenvolvida, com furos e contradições – essas sim realmente assustadoras, muito mais que o filme. Por exemplo, no começo, quando Marinho sai sozinho para nadar no rio, a mãe se preocupa com seu sumiço (já que saiu sem avisar), enquanto o pai, tranquilo ao ver uma pegada, afirma de maneira serena que ele foi ao rio. A cena seguinte se choca frontalmente com essa, pois Teresa e Augusto aparecem desesperados no meio da floresta gritando o nome do filho.
É gritante a falta de organicidade e de ritmo da película dirigida por Andrucha Waddington, marido da roteirista. Sergio Mekler é inábil talvez não por culpa própria, mas pela falta de material para construir algo mais sólido na montagem, o que resulta em saltos abruptos. Por outro lado, mais ao final, o uso de fusão para criar uma sensação de tontura e alucinação é muito bom (como quando há uma mescla entre o rosto de Teresa, em close, com o corpo inteiro de Guto, em porções distintas do quadro).
Nem tudo é ruim em “O juízo”. Azul Serra tem sua bela fotografia desperdiçada no longa, principalmente no que se refere aos planos abertos, que exploram razoavelmente bem o aspecto bucólico da área. Todavia, em cenários fechados, mesmo não sendo ruim o trabalho com a luz natural, faltou explorar a imensidão da casa da família, já que sua proporção é vista apenas em planos aéreos e distantes. Seria interessante, por exemplo, dar a ela um aspecto labiríntico, o que não foi preocupação de Waddington. O mesmo ocorre no design de som, que não é exatamente ruim, mas poderia ter mais personalidade.
A produção consegue até mesmo um feito raro: colocar bons atores trabalhando mal. Carol Castro (Teresa) e Kênia Bárbara (Ana) são quase irrelevantes, exercendo meras funções narrativas sem aprofundamento dramático – no caso da primeira, apenas no terceiro ato é que surge uma oportunidade para verdadeiramente atuar, ou seja, quando já é tarde demais. Fernanda Montenegro está inexplicavelmente falsa no papel de Marta. Melhor dizendo a explicação pode ser a família, já que é mãe da roteirista e sogra do diretor. Lima Duarte quase soa cômico com o exagero das expressões (por exemplo, na fala, dirigida a Augusto, de que também mudou com os anos). Felipe Camargo se esforça e talvez seja o melhor do cast, o que certamente não significa muito.
Joaquim Torres Waddington – filho da roteirista com o diretor (e neto da grande Fernanda Montenegro) – talvez tenha sido o que melhor entendeu, ao incorporar Marinho, a interpretação desejada pelo pai: expressão neutra, nulidade de entonações vocais, dicção pausada e com excesso de articulação das sílabas, ou seja, a mais antinatural possível. Nesse quesito, ele é o melhor. As personagens parecem anestesiadas, com uma maneira de falar que não faz sentido algum. Possivelmente as lacunas gigantescas deixadas pelo roteiro (o que Marinho e Ana tanto fazem?) ajudaram os atores a não entender bem seus papéis (até porque, pelo que é apresentado, não há muito para entender).
“O juízo” aparenta ser uma produção fadada ao fracasso já pela sua ideia inicial, dada a sua falta de originalidade. Isso não é, todavia, defeito de todos os filmes, já que existem bons remakes e continuações. O que há no longa pretende ser terror, mas o resultado é dramático.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.