“THE END OF THE F***ING WORLD” [2T] – Dramédia de contrastes
Na primeira temporada, a união insólita entre dois jovens que se veem como psicopatas (James) ou são rebeldes antissociais (Alyssa) serve para analisar a dificuldade contemporânea de lidar com sentimentos. THE END OF THE F***ING WORLD, portanto, traz um relacionamento que contém humor negro, situações sombrias e violentas e identidades conflituosas nem sempre capazes de administrar suas excentricidades. Já na segunda temporada, a proposta desenvolve com maior precisão a esfera emocional daquele universo, ainda que tenha imperfeições.
O novo ano do seriado retorna dois anos após os eventos chocantes que finalizaram a leva de episódios anteriores. A separação brutal de James e Alyssa faz com que eles sigam por caminhos diferentes até o momento em que, inesperadamente, se reencontram em outras circunstâncias e precisem lidar com a companhia um do outro. Isso porque o casal novamente embarca em uma jornada incomum e também porque cruzam com Bonnie, uma misteriosa mulher interessada em encontrar os dois jovens.
Toda a narrativa é movida pela ideia do contraste entre a expectativa comum do espectador e a resolução imprevisível e sombria dos conflitos. Novamente, a trajetória é um road movie, porém não com personagens em fuga de um mundo adverso para eles; o percurso é justificado de forma mais caótica sem argumentos claros – James e Alyssa teoricamente ficariam separados, mas se reaproximam, ficam juntos em razão de suas atitudes impulsivas e ainda são seguidos por Bonnie, que carrega um mórbido segredo. Isso não é um defeito, pois se encaixa no drama da história que mostra figuras deslocadas: não sabem lidar com as próprias emoções, sofrem com suas experiências traumáticas do passado e a sociedade as julga e estereotipa por não corresponderem ao senso comum.
James é o jovem que não consegue exteriorizar os sentimentos em função do histórico familiar problemático e, por isso, se acha um psicopata. Diferentemente dele, Alyssa e Bonnie não são fruto da perda de uma referência emocional, mas sim da inexistência de uma: a primeira tem uma relação fria com a mãe e abusiva com o padrasto, responsáveis por fazê-la questionar agressivamente todos ao redor; e a segunda teve uma criação que deturpou o sentido do amor, associando-o à punição e causando problemas de sociabilidade. Alex Lawther, Jessica Barden e Naomi Ackie expressam uma postura robótica de quem não se sente à vontade no mundo, ao mesmo tempo em que revelam sutilmente na composição corporal e no semblante o tumulto interno de pessoas incapacitadas de entender seus sentimentos.
Os contrastes também são criados pela dimensão cômica do enredo: os personagens fazem humor em ocasiões nada engraçadas ou a partir de comentários mórbidos dentro da ironia característica dos britânicos ou do universo diegético dono de uma lógica específica e inusitada. Por exemplo, são feitas insinuações de que brigas em um relacionamento seriam piores que atos violentos e são filmadas mortes, a princípio, chocantes que ganham um efeito surpresa de humor. Além disso, os diretores Jonathan Entwistle e Lucy Tcherniak compõem os quadros seguindo o mesmo estilo contrastante: planos construídos simetricamente (por vezes, com a câmera estática) se diferenciam dos abruptos momentos de violência (criados igualmente pela montagem com inserções rápidas de frames específicos) e reforçam como os personagens parecem sempre desajeitados no centro do quadro.
Algo semelhante também acontece com outros aspectos técnicos da série, adversos porque não são uniformes. Em determinados instantes, são bem utilizadas dramaticamente a narração em voice over – transmite o descompasso entre a expectativa do que os personagens farão e suas ações concretas, assim como faz um contraponto irônico entre o pensamento e a atitude/fala ou mostra para o público os sentimentos que James e Alyssa não conseguem materializar em palavras – e a trilha sonora composta por canções expressivas – contraria o que aparece em tela através das letras que revelam muito mais sobre os personagens do que eles mesmos, exemplificadas por “The end of the world” e “Where is love“. Em outros, os mesmos aspectos derrapam na redundância quando o voice over simplesmente conta o que já pode ser notado pelas imagens, e as músicas surgem intrusivas comentando o tempo todo cada sequência.
Por conta da definição de uma essência temática, a segunda temporada encontra sua razão de ser justificando dramaticamente a continuação. A narrativa é uma metáfora para os contratempos do cotidiano de um casal quando passam a dividir muito tempo juntos (guardadas as devidas proporções para a proposta imprevisível vivida por personagens incomuns). As características particulares dos protagonistas, inclusive detentores de transtornos psicológicos, acentuam dificuldades de relacionamento, já que constantemente respondem a perguntas e questionamentos complexos com um simples “ok”. O arco trilhado por Bonnie também envolve essa questão central, apesar de se desenvolver de um modo muito mais trágico e melancólico.
“The end of the f***ing world” é uma mistura de drama e comédia que pode parecer um universo irreal muito descolado da realidade do espectador. Contudo, trata-se de mais um contraste estabelecido com maior sucesso pela segunda temporada: aparente ser uma obra excêntrica em que a violência e a extravagância dominam, mas faz um retrato pouco usual das dificuldades de expressar o amor. E essa provação não se limita somente aos indivíduos com traumas graves ou alguma perturbação psicológica.
Um resultado de todos os filmes que já viu.