SEGREDOS OFICIAIS – A história conhecida em perspectiva desconhecida [43 MICSP]
Existe alguma guerra necessária? O enfrentamento bélico pode ser evitado em qualquer situação? Como um país pode conseguir angariar o apoio de outros? Se for por manobras escusas, deve a imprensa divulgar? Essas e outras perguntas são feitas em SEGREDOS OFICIAIS, filme que retrata uma história real em uma perspectiva pouco conhecida.
Com um recorte histórico de aproximadamente um ano, o filme aborda o vazamento de informações sigilosas do governo britânico sobre o apoio à invasão ao Iraque, em 2003, pelos Estados Unidos. Katharine Gun, funcionária da inteligência britânica inconformada com a chantagem planejada pelos EUA (em conluio com o Reino Unido) para obter o apoio da ONU, decide divulgar informações que comprovam a manobra.
O filme se justifica já pelo seu enredo, que aborda a invasão ao Iraque a partir de fatos que não são de conhecimento notório. O evento em si todos conhecem, mas não seus bastidores políticos. Não há pretensão alguma em adentrar nos precedentes da Ocupação do Iraque, embora o roteiro de Gavin Hood forneça flashes a esse respeito – como uma possível vingança de George W. Bush contra Saddam Hussein por ter tentado matar seu pai. No mais, a produção é bem direcionada para expor que os EUA queriam o apoio da ONU para a Guerra, usando de chantagens em face de delegados do Conselho de Segurança. Ou seja, o foco não é o porquê da Ocupação, mas o que fizeram para ter apoio nisso.
Estruturalmente, porém, o script falha logo em seu prólogo, por ser prejudicialmente in media res. A protagonista já está sendo julgada e já é questionada como ela se considera (culpada ou inocente). Logo, o espectador já sabe que ela foi descoberta como a responsável pelo vazamento e que foi levada a julgamento. Não há vantagem nenhuma nesse tipo de abordagem. Muito mais interessante seria introduzir sua rotina (marido e trabalho), para, aos poucos, adentrar no tema principal do plot. Ainda mais grave, o ato dela tem uma explicação reiterada diversas vezes, o que denota que o público é subestimado pelo texto. Por exemplo, quando os jornalistas se reúnem para decidir se publicam os dados (o que já é de conhecimento do público, em razão do prólogo precoce), reexplicam o que está bem claro, relativo à artimanha estadunidense.
Além disso, o roteiro é dividido quatro partes (todavia, em três atos): na primeira, a protagonista é consumida pela revolta (tudo bem promoverem uma guerra, mas não dessa maneira, na sua ótica); na segunda, ela é quase esquecida para que os jornalistas assumam o protagonismo; na terceira, após a publicação da matéria, a inteligência britânica busca quem vazou as informações sigilosas (violando a Lei de Segredos Oficiais); na quarta, o texto adquire feição jurídica.
Keira Knightley vive uma protagonista interessante, mesmo que volúvel. No início, ela se revolta com as mentiras ditas pelos políticos na televisão – aparecem discursos reais de Bush e Tony Blair, por exemplo -, que é um dos motivos que a impulsiona a agir. Quando viola a lei, contudo, ela se arrepende de uma maneira pouco convincente. Contudo, fica bem claro que ela é uma jovem idealista e leal aos seus princípios. A fala em que ela defende trabalhar para o povo britânico e não para o governo britânico é apenas um dos diversos diálogos sagazes travados por ela. Seu objetivo era impedir uma guerra em que inocentes morreriam. A História nos mostra que ela não obteve êxito nessa missão, mas colheu frutos do ocorrido (afinal, deu publicidade ao que era de interesse público).
Dentre os coadjuvantes, nomes como Matt Smith, Matthew Goode e Rhys Ifans são desperdiçados, além de Ralph Fiennes, que se esforça para dar uma caracterização para a personagem que interpreta, em vão. Se Knightley tem espaço para mostrar seu talento (até por ser a protagonista), o mesmo não pode ser dito por Fiennes, cujas cenas mais importantes são, na melhor das hipóteses, piegas (um advogado que ama a causa, nessa trama, é cafona demais). Ela está ótima; ele, apagado.
Por outro lado, os dois núcleos periféricos têm arco dramático bem desenvolvido. O primeiro é o dos jornalistas, que travam debates sobre a função da imprensa – que estava sendo governista em demasia. Nada muito vertical, mas pertinente. O outro, igualmente oportuno, se refere a Yasar, marido de Katharine interpretado por Adam Bakri (com participação pequena, mas parte relevante da narrativa), trazendo reflexões sobre os imigrantes (o que tem enorme potencial em se falando do Reino Unido). Quando os advogados sugerem que Yasar apareça o menos possível, um diálogo pequeno tem gigantesco valor simbólico (o argumento de que uma britânica traidora sozinha é melhor do que acompanhada de um imigrante é de uma agudeza sensacional).
Na direção, Gavin Hood não tem grandes possibilidades em seu thriller político. O filme é mais chamativo pelo seu enredo do que por ferramentas de linguagem, que, contudo, são episodicamente utilizadas (o spinning shot quando Yasar chega em casa, o texto na tela quando Katharine lê o e-mail etc.). Isso não o impede de, sutilmente, oferecer simbolismos no longa, como no vestuário de Katharine – antes de as informações chegarem a público, ela usa roupas com mangas compridas e golas altas; depois da publicação, ocorre o inverso, como se ela estivesse se livrando da asfixia que sofria na sua consciência. Longe da excelência, “Segredos oficiais” é inteligente e funcional, algo que nem todos os filmes baseados em fatos conseguem ser.
* Filme assistido durante a cobertura da 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.