O PARAÍSO DEVE SER AQUI – E o inferno também [43 MICSP]
Homenagens não se elogiam, se agradecem. Não obstante, a Palestina merecia uma homenagem melhor que O PARAÍSO DEVE SER AQUI, filme pseudocult e pretensamente engraçado. Se o que vale é a intenção, sim, o longa é bem-intencionado. O que faz lembrar certo ditado popular…
O filme é protagonizado por um palestino exilado que busca um lar, lembrando-se de casa em todos os locais aonde vá, como Paris e Nova Iorque. E o enredo é só esse.
Trata-se de uma obra bastante idílica de seu realizador Elia Suleiman, responsável por roteirizar, dirigir e protagonizar a película. É um trabalho autoral e pessoal, o que por si só permite questionamento, dado o excesso de pessoalidade. Não se afirma que a pessoalidade é ruim, ao revés, ela se torna ruim quando em dose excessiva. Suleiman está claramente feliz e orgulhoso com o seu filme, tal qual um pai orgulhoso do primeiro rabisco que seu filho faz. Assim como o pai não percebe que é apenas um rabisco feito por uma criança – e não uma obra de arte inestimável -, o cineasta exagera.
O script é seminarrativo, com fragmentos de narrativas cujo significado fica claro no conjunto, ratificado por uma cena didática com uma surpreendente participação especial. Mas são fragmentos, na maioria das vezes, entediantes e estúpidos: dois homens em um carro trocam os óculos de sol que estão usando, policiais correm atrás de uma manifestante, uma mulher carrega um recipiente com água na cabeça. Há bons enquadramentos, mas as cenas são deploráveis.
A atuação de Suleiman é, no geral, contemplativa, o que lhe exige uma expressão vazia (a famosa “cara de paisagem”). Fumando e bebendo constantemente, ele observa a realidade que o cerca, de objetos inanimados (o mar, de cima de um rochedo) a pessoas (garis jogando golfe com latinha). Excepcionalmente, a comédia está com ele, como quando bate a porta do banheiro.
Porém, o humor é, no mínimo, decepcionante. De um homem dançando sozinho a policiais se locomovendo sem direção (em vaivém) em monociclos elétricos, “O paraíso deve ser aqui” é uma comédia sem a menor graça. Ainda mais grave, as piadas são repetitivas, com um pretenso humor inofensivo – leia-se, acrítico e politicamente correto, salvo por uma cena (tratada adiante) – insuportavelmente idiota. O maior exemplo é a cena em que um passarinho sobe no teclado do laptop de Suleiman e este o expulsa. Isso acontece uma, duas, três vezes… na quinta vez, é claro o convite para abandonar a sessão. Mas a tortura continua.
Como nem tudo pode ser ruim, os enquadramentos são bem escolhidos, aliados a uma trilha musical bem razoável (seja lá qual for o significado das canções em árabe). No geral, prevalecem cenas estúpidas, como as mulheres dançando com carrinhos de bebê na praça. A única cena que destoa é a da chegada de Suleiman em Paris: a despeito da maravilhosa canção que a entoa (“I put a spell on you”, de Nina Simone), há uma objetificação da mulher na filmagem dos corpos femininos de cima a baixo, incluindo planos-detalhes de seus traseiros. Nina Simone se revira em seu túmulo.
A proposta de Elia Suleiman com “O paraíso deve ser aqui” é, com bom-humor e de maneira poética, homenagear a sua pátria. Ok, está homenageada. Afinal, nem todas as homenagens são boas. Se o paraíso fosse esse filme, seria preferível o inferno.
* Filme assistido durante a cobertura da 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.