VIVIR ILESOS – Festival afrontoso [43 MICSP]
Filme amador travestido de profissional, VIVIR ILESOS é uma comédia involuntária vergonhosa. O longa é tão desqualificado que chega a ser ofensivo ao espectador. Com erros inescusáveis, assistir-lhe é quase uma tortura.
O plot resume-se a um sequestro de um casal de golpistas que é desmascarado por um homem rico. Alberto e Lucia tentam enganá-lo, porém ele percebe o perfil de ambos e pratica o rapto. Suas intenções, contudo, são desconhecidas no início, revelando-se apenas no final.
É estranho constatar que o roteiro de Manuel Siles não é ruim quanto à sua premissa. A ideia governante é extremamente piegas – o desfecho moralista é ridículo -, mas o ponto de partida não é dos piores. Entretanto, o desenvolvimento é terrível, vez que o filme tem uma estrutura sem solidez, personagens rasas e uma narrativa mal elaborada. Dentre os vários desastres do script, podem ser citados os seguintes: Alberto (Oscar Ludeña) é praticamente inútil do ponto de vista narrativo; o subplot da empregada é lançado quase que como menção, isto é, sem aprofundamento algum; e o aparecimento da sogra de Alberto depois de tanto tempo justamente quando a filha foi raptada é uma piada de péssimo gosto.
Nesse sentido, conforme mencionado, o filme acaba sendo uma comédia involuntária, já que claramente se leva a sério – quando não poderia fazê-lo em hipótese alguma. Se no roteiro o peruano Manuel Siles não é muito competente, sua direção é simplesmente ofensiva ao espectador. Para além de planos cujo enquadramento foi mal escolhido, aparecem defeitos em todas as áreas. No som, a mixagem faz uma poluição incômoda; na fotografia, a iluminação permite sombras que não deveriam aparecer (sem contar sua precariedade).
A produção não consegue sequer dar sincronia à dublagem dos diálogos (como se houvesse um delay entre os movimentos labiais e as falas). A montagem é péssima e não consegue ocultar os tapas e socos muito mal coreografados – nesse quesito, o amadorismo é gritante, pois a falsidade dos golpes é escancarada.
No elenco, Magaly Solier (Lucía) é ofuscada por Renato Gianoli, ator que é exemplo de como os atores não devem se comportar em cena. No papel do sequestrador, Gianoli é um verdadeiro “canastrão”, tentando ser levado a sério quando isso se torna impossível. Se houvesse um panteão das piores interpretações da história, provavelmente ele estaria lá – não que Ludeña e Solier sejam muito melhores, mas ele é hors concours.
Para piorar, é justamente a Gianoli que cabem as falas mais complexas, do tipo “é melhor morrer do que viver de qualquer maneira” e “esse sistema é perfeito, consegue que os escravos celebrem a escravidão”. Embora as afirmações sejam pertinentes, dão a falsa impressão de que “Vivir ilesos” tem camadas além da superfície. Não, a película é rasa e muito ruim. Não há técnica, não há conteúdo. É provável que nem mesmo um estudante do primeiro ano da faculdade de cinema conseguisse cometer tantos erros. O filme é um festival afrontoso de equívocos.
De positivo, sua duração: apenas setenta e nove sofridos minutos.
Excepcionalmente, esse filme não receberá estrela nenhuma. Francamente, não merece.
* Filme assistido durante a cobertura da 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.