O ÚLTIMO AMOR DE CASANOVA – Ator nenhum salva [43 MICSP]
Em 2006, o saudoso Heath Ledger interpretou o lendário libertino Casanova, em um filme fraco, a despeito do talento do ator protagonista. Caminho similar é seguido por O ÚLTIMO AMOR DE CASANOVA, um filme ruim que desperdiça um bom ator.
No longa, exilado de Paris, Casanova vai para Londres prosseguir na sua vida de sexo e jogatina. Dentre as mulheres que conhece está Marianne, que o atrai em nível tal que o faz rejeitar todas as outras. Encantado, ele faz de tudo para conquistá-la, mas Marianne não está disposta a se entregar com facilidade.
De nada adianta colocar um ator gabaritado como Vincent Lindon sem dar-lhe um roteiro digno da sua capacidade. Além de outros papéis grandiosos, o ator já viveu o célebre escultor Auguste Rodin (no longa “Rodin”) – ou seja, personalidades históricas não são um problema para ele. Não obstante, o roteiro escrito pelo diretor Benoît Jacquot e por Jérôme Beaujour e Chantal Thomas é pavoroso.
Em termos narrativos, o texto é extremamente enfadonho, sem progressão. Depois de apresentar o mundo comum do protagonista (o que é deveras simples), com a entrada de Marianne (Stacy Martin, outra refém do script ruim) na trama, o encaminhamento dado é repetitivo e, em certa medida, irritante. Para além da objetificação da mulher, o que é premissa do longa, a sujeição de Casanova a Marianne não é minimamente sólida. Há flertes sem fim, mas nada acontece. Eles mal se conhecem. Como ele pode fazer juras de amor?
Em favor da produção, seria possível afirmar que, na época, a noção de amor era distinta. De fato, existe um contexto histórico particular. Entretanto, nessa lógica, todas as obras de arte da época (inclusive literárias, por exemplo) iriam padecer desse mal, o que não é, evidentemente, o caso. Não há amor, apenas um homem frustrado por não ter o prazer de usar uma mulher como objeto sexual para depois descartá-la como uma folha de papel usada. Sabe-se que o modus operandi de Casanova era esse, como de um cachorro que precisa marcar território.
Em termos de direção, essa objetificação é levemente disfarçada – a cada dez mulheres nuas, um homem nu (para não dizer que só as mulheres são expostas como pedaços de carne na tela). Não obstante, não há como comprar um discurso de amor quando a conversa é limitada a sexo. Basicamente, o sofrimento de Casanova é não ter relações sexuais com uma mulher que não se entrega tão fácil, na mesma medida em que não consegue ter com outras. Marianne vira uma obsessão. Mas certamente não por amor.
É significativo que uma cena de defecação, logo no começo, seja a única do longa em que o roteiro consegue fornecer algum subtexto. No mais, o script é paupérrimo – e, o que é mais grave, finge que não. Nesse sentido, não há razão alguma para inserir uma narrativa dentro da narrativa, envelhecendo o protagonista para relatar seu episódio de frustração. Sem material suficiente para construir um papel com a robustez necessária, Lindon se empenha, porém em vão.
É possível afirmar que nem tudo é ruim em “O último amor de Casanova”. Por exemplo, os figurinos são fidedignos e a mixagem de som é precisa (o que fica bem claro na cena em que Casanova assiste a uma moça cantando uma ária, pois o volume da canção aumenta e diminui de acordo com a distância da câmera). São, contudo, adereços de pouquíssima relevância em uma película que poderia ser muito boa. Para cada acerto, um erro mais grave: a fotografia é discreta (a iluminação diminuta é prejudicial) e a montagem não tem critério algum (por vezes fade; em outras, fusão etc.).
Completando o desastre, o espectador é tratado como estúpido. Apenas a título exemplificativo, a cena em que Marianne coloca brincos e a cena na porta da carruagem. Na primeira, se ela fica em primeiro plano de frente para a câmera, é óbvio que ela está em frente a um espelho, dispensando, assim, um plano diametralmente oposto. Na segunda, não faz sentido que Casanova não seja cobrado pela atual namorada sobre o conteúdo da conversa que presenciou sem conseguir ouvir.
Heath Ledger não salvou. Vincent Lindon não salvou. Ator nenhum salva um filme ruim.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.