“CAMPO DO MEDO” – Um lugar de vida e morte
“In the tall grass” nasceu como um conto escrito por Stephen King e seu filho Joe Hill e publicado na revista norte-americana Esquire em 2012. Sete anos depois, o material original é adaptado para a Netflix na forma do filme CAMPO DO MEDO. A produção original indica claramente a intenção de ser uma experiência de tensão evocada por um lugar que carrega simultaneamente a vida e a morte – uma perspectiva reconhecível, porém afetada pela instabilidade temática, dramática e narrativa da projeção como um todo.
O local onde esses elementos contraditórios estão atrelados é um matagal de beira de estrada. Ele é encontrado pelos irmãos Becky e Cal quando fazem uma parada durante o trajeto de viagem de carro. Ao ouvirem o pedido de socorro de uma criança, entram ali e se perdem tentando seguir aquela voz desesperada. À medida que se isolam cada vez mais do mundo exterior e não conseguem encontrar a saída, a dupla percebe que perigos ainda mais aterrorizantes os envolvem, prestes a atacar.
Não leva muito tempo para que se perceba que boa parte da narrativa concentra suas ações no interior do matagal. Essa única locação estabelece rapidamente a desorientação e a claustrofobia sentidas pelos personagens quando entram naquele ambiente e ficam presos. Tais sentimentos são criados pelas condições geográficas – o mato cerrado e selvagem a toda volta, a extensão do matagal e as dificuldades de locomoção e visualização do entorno -, pelo “misticismo” aparente do local – a vegetação tem vida própria e a superfície parece aumentar continuamente – e pela direção de Vincenzo Natali, que alterna entre planos fechados, gerais e aéreos, e constrói sequências para mostrar a dificuldade de orientação dos personagens mesmo quando tentam se comunicar aos gritos (atitude que, pelo desespero gerado, os separa ainda mais).
Além das sensações transmitidas, a locação principal simboliza um encontro permanente entre vida e morte. O cenário, por vezes, exala vivacidade através dos planos-detalhe que registram o reflexo da luz solar, a movimentação do mato sob o vento e os animais circulando pela área – assim, é criado um ambiente aparentemente belo e pacífico em que nada de trágico poderia ocorrer. Porém, também há uma dimensão lúgubre que avança pelo filme e revela uma ameaça sobrenatural em escala crescente: repentinamente, cadáveres aparecem no solo; os comportamentos dos personagens são transformados pelo matagal; a violência serve de alimento para o florescimento mórbido do lugar; e frases como “no matagal, as coisas mortas ficam no mesmo lugar. Assim, é mais fácil de achar” são repetidas expressivamente.
Por outro lado, associar a narrativa a apenas uma locação prioritária cria limitações para a captura do interesse dos espectadores. Reconhecendo essa condição, o filme estabelece ciclos narrativos envolvendo seis personagens, o trio formado por Becky, Cal e Travis, e outro composto por Ross, Tobin e Natalie. Essa dinâmica é responsável por conceber um universo sobrenatural com uma lógica interna muito particular, uma ameaça misteriosa sem forma definida, uma força mística atrativa e impeditiva de fugas, sinais de estranhos rituais pagãos e eventos fora de uma cronologia linear de causa e efeito. A princípio, o mistério é construído em torno das tentativas de compreender as ligações entre os personagens e as explicações para sua reunião ali. Conforme o tempo passa, o que deveria ser enigmático se torna a repetição de acontecimentos de mesma natureza que pouco acrescentam à evolução da narrativa e dos personagens.
Existe também uma dimensão religiosa que aparece do segundo ato em diante e é agregada à dualidade entre vida e morte. Alguns traços sintetizam como o matagal pode ser palco para um tipo de crença: os ruídos e a trilha sonora possuem notas de uma canção mística e se assemelham a cânticos saídos de uma procissão; a igreja de nome Rocha Negra sugere algum tipo de cerimônia realizada na beira de estrada; e uma rocha negra situada em uma clareira do matagal parece um totem de força sagrada. Nesse sentido, a tensão é levada para outra direção, reduzindo a desorientação e a claustrofobia em favor de imagens chocantes e misteriosas – uma opção que apenas acumula mistérios e gera uma trama confusa ao invés de aberta e provocativa.
A introdução da religião na história cria outros problemas que fazem a produção oscilar. O rumo dos acontecimentos perde a coerência e abre espaço para conflitos pouco verossímeis para o estado dos personagens naqueles momentos (todas as sequências envolvendo a transformação radical de um dos homens presos, o crescimento da violência, a aparente saída do matagal e o surgimento de novos embates se sucedem de maneira caótica e nada funcional). Os próprios personagens também são vítimas do excesso de informações e escolhas colocadas pelo roteiro, levando à criação de figuras sem identidade própria e movidas por conflitos artificiais carentes de um arco consistente – a questão da redenção constantemente abordada nos diálogos não se relaciona com as trajetórias dos personagens.
Inicialmente, “Campo do medo” se beneficia da eficiente ambientação no matagal e da curiosidade despertada no público (ajudada pelo contexto favorável para as adaptações de Stephen King). Contudo, devido às escolhas para a progressão do roteiro e para a composição visual das cenas, o filme cria suas próprias armadilhas difíceis de contornar. Armadilhas essas que causam uma instabilidade no resultado final e aprisionam o que poderia ser melhor em um projeto que não sabe para onde ir exatamente.
Um resultado de todos os filmes que já viu.