“ENCONTROS” – Pós-modernidade melancólica
A mudança de título nacional de “(Des)encontros” para simplesmente ENCONTROS foi uma reforma para pior. Além de o novo nome ser mais genérico, ele não representa a polissemia da trama à altura, algo que o prefixo “des” conseguia fornecer (o título original, “Deux moi” – em tradução livre, “Dois ‘eus” – também era muito bom). Poucos filmes conseguem traduzir tão bem a melancolia da pós-modernidade.
Os jovens parisienses Rémy e Mélanie dividem a centralidade na trama, cada um com seus problemas típicos da contemporaneidade. Enquanto ele sofre com todos os colegas de trabalho sendo demitidos, ela ainda não superou o término do namoro que já data de um ano. Em comum, eles são vizinhos, moram sozinhos, mas não se conhecem. A solução que encontram para apaziguar suas dores está na internet: ela no Tinder e ele no Facebook. O que encontram, porém, não é o que realmente desejam.
Com a divisão do longa em duas narrativas distintas, ainda que similares, a montagem de Valentin Féron abusa de montagem paralela, acentuando a diferença entre Rémy e Mélanie. Por exemplo, quando vão à terapia, ela chora diante da sua psicóloga, enquanto ele sequer consegue dar respostas ao seu psicólogo. Quanto mais seus arcos dramáticos se desenvolvem autonomamente, mais fica claro que eles sofrem dos mesmos males. O ápice dessa lógica se assenta na música “Histoire d’un amour”, na voz de Gloria Lasso: mais que uma canção belíssima e dotada de um significado que dialoga bem com a trama, a cena em que os dois a escutam representa sua união pela arte, uma efêmera válvula de escape da hostilidade mundana.
O diretor Cédric Klapisch consegue utilizar de forma magistral a magnífica trilha musical de Loïc Dury e Christophe Minck, que conta até mesmo com um moderníssimo rap em português (“Beijos”, de DJ Vadim e Heidi Vogel). A mise en scène é impecável ao demonstrar o paralelismo entre Rémy e Mélanie: eles são praticamente vizinhos de sacada, a solidão os une, mas a dinamicidade de suas vidas não permite que se enxerguem. O que os diferencia não é o que consomem quando chegam em casa (ela, uma fruta; ele, uma cerveja), muito menos uma geografia desfavorável. O problema definitivamente não é geográfico, pois o diretor sempre os coloca próximos, sem lhes permitir, todavia, sequer uma troca de olhares (em uma cena, parece que Rémy irá vê-la, mas um ruído na rua chama a sua atenção).
Mélanie e Rémy são vítimas da modernidade líquida a que alude Bauman, encontram-se numa espiral de solidão e tristeza que nem as horas gastas com terapia conseguem solucionar. Quando os dois não conseguem dormir e buscam soluções medicamentosas, estão demonstrando meros sintomas dessa asfixia social. O roteiro escrito pelo diretor com Santiago Amigorena dosa bem o drama para evitar um melodrama, colocando alívios cômicos sutis e pontuais – como na conversa de Rémy com o gerente do RH da empresa e, claro, nas cenas do dono do mercado local, que acaba se tornando personagem fundamental na narrativa. Em meio a esse humor discreto, François Civil faz de Rémy um rapaz apático, inseguro e frágil, enquanto Ana Girardot interpreta Mélanie como uma jovem que deposita nos outros a própria felicidade. No caso de Civil, impressiona como, depois de dois galãs seguidos na carreira (“Amor à segunda vista” e “Quem você pensa que sou” – cuja crítica pode ser lida clicando aqui), ele constrói uma persona tão vulnerável.
Assinada por Élodie Tahtane, a fotografia do longa é esplendorosa. Trata-se de um filme bastante urbano, empenhado em retratar o cinza (literal e simbólico) da cidade grande (por exemplo, ao contrapô-la com as montanhas nevadas de onde moram os familiares de Rémy). O uso das cores é também digno de nota, alternando entre cores frias (azul e verde) e quentes (caramelo e salmão). O consultório do psicólogo de Rémy é praticamente um frigorífico: os dois se vestem de azul, cor das cadeiras e das paredes. Já a terapeuta de Mélanie tem uma sala que varia nas cores, um ambiente mais caloroso destacando o vermelho, sem exagero.
Rémy e Mélanie precisam de algo que vai muito além do que a internet oferece. O Tinder pode dar a ela prazeres efêmeros, não muito mais. O Facebook pode reconectá-lo a conhecidos do passado, mas o fato de eles terem perdido o contato é indicativo de que não seriam amigos. Os dois são um retrato de seu tempo, da aflição da juventude contemporânea. Somente a vida real pode tirar a dupla da depressão pós-moderna, pois a felicidade pode morar ao lado, basta disposição para perceber.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.