“A MELHOR JUVENTUDE” (partes 1 e 2) – Uma epopeia pujante
É difícil tecer quaisquer comentários sobre uma obra monumental como é o caso de A MELHOR JUVENTUDE. Não pela sua extensão no sentido de duração, mas no sentido cronológico e narrativo. Seria, pois, um trabalho hercúleo (e vão) tentar abranger tamanha riqueza em apenas um texto.
O longa é protagonizado pelos irmãos Nicola e Matteo, dois jovens sonhadores que planejam uma viagem com amigos na fase de encerramento dos estudos. Do fim dos anos 1960 até 2003, os irmãos percorrem uma longa jornada com idas e vindas, tristezas e alegrias, dentro da história contemporânea da Itália.
Trata-se de um filme de mais de seis horas de duração. De um lado, não se pode negar que a duração da película afaste muitos espectadores, especialmente aqueles que não aguentam obras com mais de duas horas (nesse caso, a divisão em duas partes iguais não resolve o problema). De outro, faz sentido que o longuíssimo lapso temporal do enredo exija uma narrativa também alongada. Não obstante, “A melhor juventude” não é um filme arrastado: por não ter sido pensado para o formato de minissérie, não há uma divisão de capítulos, de modo que a trama imprevisível tem o poder de captar o público.
Ainda que o foco do longa, como não poderia deixar de ser, resida nos arcos narrativos de Nicola e Matteo, é interessante atentar para duas circunstâncias periféricas. Mesmo sendo eles personagens principais, quem efetivamente move a trama são mulheres, a começar por Giorgia, que é quem os une em torno de um objetivo comum (dar a ela melhores condições de vida). Também surgem novas personagens – inclusive outros integrantes da família -, de maior ou menor importância na narrativa, mas que conseguem torná-la ainda mais dinâmica. Trata-se de uma engenhosidade do roteiro de Stefano Rulli e Sandro Petraglia, texto que se revela rico ao aliar as personagens à história recente da Itália (as cheias de Florença, a luta contra a máfia, os movimentos estudantis terroristas, os jogos de futebol etc.). A rigor, o filme é uma revisitação histórica, não apenas mais um filme de drama.
Nicola e Matteo são muito diferentes em vários sentidos. O primeiro deles é a escolha dos atores, pois Luigi Lo Cascio e Alessio Boni não se parecem o suficiente para serem irmãos. Entretanto, os dois atores têm um desempenho muito bom: Cascio faz de Nicola um homem gentil, altruísta e equilibrado, enquanto Boni tem em Matteo alguém mais destemperado que abandona a trajetória inicialmente traçada para a própria vida, no escopo de encontrar a si mesmo. Os dois buscam o que querem, mas circunstâncias externas surgem para chacoalhar suas vidas em incontáveis oportunidades. Com a passagem de tantos anos, não poderia ser diferente. O uso dos mesmos atores para os papéis é uma aposta perigosa, pois poderia tornar questionável a aparência deles quando cotejada com as idades das personagens. Porém, o desempenho deles é tão convincente que essa ressalva se torna ínfima.
Além disso, a direção de arte da produção é esplendorosa, conseguindo reproduzir de maneira completamente fidedigna a estética de cada época – fator que até mesmo enaltece a passagem do tempo, ainda que não dispense a indicação explícita. O filme tem cenários variados, alguns deles mais emblemáticos do que outros (como o Coliseu). Embalada por uma trilha musical heterogênea, a obra tem cenas bem imersivas em razão da ausência de pressa em relação aos acontecimentos retratados.
O projeto dirigido por Marco Tullio Giordana é extremamente ambicioso, dada a abordagem ampla, sem prejuízo da profundidade. Por exemplo, quando o professor de Nicola o aconselha a sair do país, há muito mais que um aluno subindo um degrau diante da aprovação de seu mestre, mas a visão do país segundo aquela geração. Se assumindo como dinossauro (no sentido figurado, evidentemente), o professor admite que pessoas como ele não saem do país para iniciar uma vida, enxergando no aluno a oportunidade que considera não ter tido – e este, por sua vez, tem na juventude o potencial de exploração de novos territórios. Impressiona como o filme consegue ser significativo inclusive em cenas que, em tese, teriam menor envergadura.
Certamente “A melhor juventude” recebeu esse título em referência ao poema de Pier Paolo Pasolini. Em comum, o lirismo e a melancolia de uma juventude munida de energia e ideais, características que lhes são forças para ultrapassar fronteiras, vencer obstáculos e gozar do que a vida pode oferecer de positivo. É a vida, na forma de epopeia, em seu sentido mais pujante.
Obs.: o filme é de 2003, mas foi exibido na 8 1/2 Festa do Cinema Italiano de 2019 e entrou no circuito nacional neste ano.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.