“O MENINO QUE FAZIA RIR” – Exportado sem ser para exportação
A Alemanha é um dos países que, já há alguns anos, domina o conceito de cinema de exportação. Os estúdios germânicos compreendem que alguns filmes são mais voltados ao mercado caseiro, enquanto outros servem para consumo do público estrangeiro (participando de premiações, inclusive). O MENINO QUE FAZIA RIR pode ser vendido como cinema de exportação (já que vem para os cinemas brasileiros) e pode ter a simpatia do público não-alemão, porém dialoga muito mais com seus nacionais.
Trata-se da estória de uma criança que, no início da década de 1970, encontrou no humor a melhor maneira de lidar com as tragédias que enfrenta em sua família. O que não fica plenamente claro na obra, porém, é que o protagonista, Hans-Peter, se tornou um dos mais reverenciados comediantes da Alemanha, tendo iniciado precocemente a sua trajetória na comédia.
O filme de Caroline Link, portanto, é uma cinebiografia parcial, visto que retrata parcela da vida de uma pessoa real. Esse é o grande impasse do longa enquanto cinema de exportação: quem é Hape Kerkeling? Sua importância na comédia alemã é pouquíssimo conhecida para estrangeiros, o que automaticamente torna a obra muito menos atrativa – isto é, se ele tem notoriedade no cenário nacional, o mesmo não se aplica em âmbito internacional. Visto de outro ângulo, o longa se torna uma oportunidade para dar visibilidade a Kerkeling.
De todo modo, em uma perspectiva menor, excluindo o aspecto cinebiográfico, a produção é um drama cômico bastante edulcorado capaz de comover espectadores sensíveis. Hans-Peter é um garoto que parece fadado ao sofrimento, ora no relacionamento com os colegas (sofrendo bullying), ora nas tragédias familiares. A despeito dessas mazelas, ele encontra espaço para fazer humor e, principalmente, dividir o humor com aqueles que ama, na lógica de que “rir é o melhor remédio”.
A escolha de Julius Weckauf para o papel principal não poderia ser mais acertada: o ator mirim é de um carisma fenomenal, característica importante para o papel. Talentoso, Weckauf se sente bastante livre para fazer as “palhaçadas” de Hans-Peter, imitando pessoas reais, criando personagens e se travestindo para gerar risadas. No mínimo, ele arranca muitos sorrisos.
É interessante observar que o roteiro, resultado do livro de Hape Kerkeling, adaptado pela diretora e escrito por Ruth Toma, tem a sabedoria de adotar como ponto de vista o do próprio Hans-Peter. Assim, a narrativa adota uma perspectiva pueril e leve, coerente com a ótica de seu protagonista diante dos males que constantemente o afligem. É tocante, ainda, vê-lo em meio a conflitos de adultos, sofrendo sem ser visto (como quando o pai e o avô brigam). Duas ressalvas, porém, merecem ser feitas: a primeira é que o filme parece episodicamente esquecer esse ponto de vista, mostrando algumas cenas além do que o menino enxergaria; a segunda é que a opção acaba deixando lacunas. Nesse sentido, o sumiço de alguns coadjuvantes, especialmente o pai (por que ele viaja tanto?) e o irmão de Hans-Peter, são hiatos indesejáveis na narrativa.
Conforme mencionado, o protagonista precisa lidar com problemas de relacionamento com colegas e tragédias familiares. Todavia, há muito mais enfoque no segundo caso. A mãe do menino, Margret, é quem surge como figura primordial para a sua construção enquanto pessoa (ele mesmo admite, explicitamente, ser a soma de seus familiares): em um primeiro momento, ela representa puro afeto para ele, pois eles se divertem mutuamente (na cena em que ela diz “eu não sou um cogumelo”, por exemplo, está fazendo justamente o que o filho faz, que é excluir a tensão através do humor); posteriormente, entretanto, ela se torna irritadiça e depressiva, exigindo muito mais do talento humorístico do filho. Simbólica e literalmente, Margret vai ficando anestesiada por seus problemas de saúde, de modo que Luise Heyer transmite bem a mudança da personagem.
O que é provavelmente o aspecto mais comovente no longa é a relação de Hans-Peter com seus avós, que, por sua vez, representam carinho e aprendizado para ele. Os quatro avós o protegem sempre que necessário e se responsabilizam pelos seus cuidados em diversos momentos, sendo lógico concluir que os idosos lhe deram forças para suportar com bom humor a tristeza. Além disso, são diversos os ensinamentos transmitidos pelos avós a ele – por exemplo, de como encarar o luto, da importância de ter alguém ao lado e de como é preciso agir para alcançar seus objetivos.
“O menino que fazia rir” é um filme bastante simpático, mas sem grandes virtudes cinematográficas, não tão engraçado quanto parece (Hans-Peter é um prodígio como palhaço, mas é um humor extremamente infantil) e menos dramático do que poderia. Digno de “sessão da tarde”, mas não tão digno de exportação.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.