“VAI QUE COLA 2 – O COMEÇO” – O anacronismo da farsa
A farsa é um gênero que não combina com o século XXI e suas idiossincrasias. Contudo, há parcela do cinema brasileiro que, ignorando esse anacronismo, insiste em produzir farsas que nem ao menos têm graça. VAI QUE COLA 2 – O COMEÇO é um ótimo exemplo dessa deplorável situação.
Em resumo, o filme mostra como o grupo da série humorística do canal Multishow – Ferdinando, Jéssica, Máicol, Tereza e Jéssica – se conheceu e passou a conviver na pensão da Dona Jô. Como aparece escrito nos minutos iniciais, é o que ocorreu há “alguns anos atrás” (sic).
A montagem veloz dos cortes rápidos tenta atribuir alguma dinamicidade ao pavoroso roteiro de Renato Fagundes, João Paulo Horta e Leandro Soares. O acerto do script é que, enquanto prequel, a coerência com o primeiro filme e o universo diegético da série é notório. Quem tem bastante conhecimento da série chega a afirmar que o longa amarra pontas soltas, sanando algumas dúvidas de seu público. Entretanto, a partir do momento em que um filme é lançado no cinema, ele deve subsistir por si só, ou seja, ele tem o dever de ser compreensível para todos os públicos (independentemente do seu alvo específico, que sempre existe). Se “Vai que cola 2 – o começo” foi feito apenas para a plateia da série, há um erro grave na sua concepção.
A sequência da feijoada é bastante ilustrativa quanto ao completo vazio do plot: precisando consertar uma narrativa oca, a decupagem eventualmente ilude o espectador para que a tortura dure mais, por exemplo ao alongar desnecessariamente algumas sequências (como a da festa de recepção de Tiziu). A construção da narrativa, ainda, apresenta incontáveis falhas, de inconsistências (se a falecida já tinha deixado tudo pronto, como afirmou Terezinha, por que Dona Jô precisou pedir para Jéssica fazer compras?) a coincidências imbecis (Jéssica e Máicol se encontraram na hora certa e no lugar certo, e ainda tinham o mesmo destino). Deus ex machina é o menor dos equívocos.
Em defesa do diretor César Rodrigues, seria possível alegar que o filme não é feito para ser inteligente. De fato, a premissa da obra farsesca é afastar-se da verossimilhança (elemento que marca a comédia tradicional) e do olhar crítico (traço característico da sátira). Entretanto, assim como a comédia e a sátira, a farsa precisa ser engraçada, algo que o filme não é – salvo, talvez, para seu público-alvo (e aqui valem mais uma vez as considerações já feitas sobre o lançamento de um filme no cinema).
Em meio a referências insultuosas (“O Rei Leão” e “Matrix”), sequer a caracterização visual das personagens é decente, em especial no caso de Máicol (com uma peruca vergonhosa) e Velna (quanto a ela, a estética é grosseira). Aliás, a loira é a que mais sofre com o (ou com a ausência de um) roteiro, de modo que a personagem de Fiorella Mattheis é absolutamente inútil em termos narrativos. O mesmo ocorre com Ferdinando, porém Marcus Majella se destaca ao aproveitar a versatilidade exigida pelo papel. A situação de Majella, por sinal, é bastante peculiar: Ferdinando não tem função narrativa, mas é o que mais se aproxima do humor em razão da variação de situações que vive, entre subjetividade mental (sambando fantasiado, por exemplo), realidade disfarçada (ao se apresentar para Tiziu) e um meio-termo (a cena em que canta “Lua de cristal”).
Abraçar o escracho não é um problema, isso é feito desde o século XII, quando, segundo a literatura especializada, teria surgido a farsa (tendo seu auge no século XVI). O problema é que, no século XXI, não há mais espaço para exageros humorísticos despretensiosos e estúpidos, pois é necessário algum conteúdo. Na pior das hipóteses, é preciso ser razoavelmente engraçado. “Vai que cola 2 – o começo” não consegue esse grau mínimo de humor, somente não chegando ao estágio mais podre da arte – aquela que ofende o público – pela sua despretensão. Dito de maneira mais simples: é ruim, mas poderia ser pior. Sempre pode, não é!?
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.