“ANNA – O PERIGO TEM NOME” – Nikita repetida
Uma femme fatale recrutada por um serviço secreto para trabalhar durante a Guerra Fria: a história é genérica e se encaixa no enredo de diversos filmes. ANNA: O PERIGO TEM NOME é mais um deles. Se a trama não é original, o que o filme pode ter de atrativo?
Anna Poliatova, protagonista que dá nome à obra, é uma jovem descoberta nas ruas de Moscou para ser modelo. Quando não está desfilando para as mais famosas marcas, porém, Anna trabalha como espiã para a KGB.
Sem muito disfarce, Luc Besson tenta repetir “Nikita – criada para matar”, um de seus maiores sucessos. “Anna” não tem o mesmo nível, a começar pela mencionada falta de originalidade, contudo os dois filmes representam bem os dois momentos na carreira do cineasta, que passou de paradigma a repetidor. De lá para cá, de referência da sétima arte ele passou a reciclar o próprio trabalho.
Por outro lado, Besson é um cineasta com bastante domínio do gênero (de ação), de modo que o resultado dificilmente seria insatisfatório. No caso de “Anna”, realmente a adrenalina é bem conduzida (sem olvidar algum requinte em cenas menores, como o plano-sequência no apartamento das modelos). As coreografias de luta, mesmo que não inventivas, são bem conduzidas, em especial na cena do bar, em que a protagonista muda de figurino e improvisa armas (novamente, nada que nunca tenha sido visto, mas ainda promove entretenimento).
Dentre os atributos técnicos, é interessante a montagem assinada por Julien Rey, que exerce bem funções pontuais quando exigida – basta ver a montagem paralela do prólogo (a sensação de urgência é amplificada com a música, mas o serviço de montagem é fundamental), os cortes rápidos dos ensaios fotográficos e a sequência elíptica de quando Anna retorna das férias. Assim é uma boa montagem, exercendo função narrativa relevante sempre que necessário.
No mesmo sentido, o roteiro utiliza uma técnica que inequivocamente surpreende o espectador. Para além de alguns plot twists, o script não segue uma cronologia exata, avançando para expor uma perspectiva da trama e retrocedendo para preencher os ganchos deixados. Dito de outro modo, nem tudo o que acontece tem a explicação óbvia, fazendo com que o público faça automaticamente suturas que se revelam enganosas. Sabe-se o que acontece (ou às vezes nem isso), mas não como nem o porquê de acontecer. Em vaivéns repetitivos (no limiar do cansativo), há subversão da expectativa em diversas sequências. Os diálogos eventualmente tolos quase passam despercebidos.
Com foco nas escolhas de vida (ou sua ausência) e na insatisfação, a protagonista é uma inteligente corporificação das matrioskas – aquelas bonecas russas montadas em camadas (uma boneca dentro de outra e de outra…). Talvez seja essa a única metonímia marcante do filme: por fora, Anna se apresenta de uma forma (em determinado momento, inclusive, vendedora de matrioskas), por dentro, há diferentes perfis que são expostos com o transcorrer da narrativa (modelo, espiã, amante, amada etc.). Sasha Luss não compromete no papel, embora a caracterização seja fundamental nesse quesito: em determinado momento, frágil, com o cabelo preso (como se a liberdade fosse iminente, porém de maneira bem enganosa) e vestuário singelo; adiante, bem mais segura, com roupas mais elegantes e cabelo platinado para mostrar personalidade. Não obstante, Anna é muito mais objetificada (por todas as demais personagens) e sexualizada (por boa parte delas) do que empoderada – o que justifica a escalação e o desempenho de Luss.
Os coadjuvantes, todavia, não seguem a mesma sorte. Luke Evans tem em Alex uma personagem unidimensional e previsível, não sendo muito distinta a situação de Leonard de Cillian Murphy (o que é estranho para um ator seletivo como ele). A diferença não poderia ser mais óbvia: o agente da CIA é mais inteligente que o da KGB. Embora a produção seja francesa, Besson repete clichês do tipo de filme (espiã na Guerra Fria), não deixando esse de lado. O próprio maniqueísmo do período se faz presente, posto que atenuado com a perspectiva da protagonista, uma vítima da polarização.
“Anna – o perigo tem nome” é um filme feito para quem gosta de ação e espionagem sem muito conteúdo. Nesse caso, são aceitáveis fatos como russos conversando em inglês dentro da KGB (pois o russo, de acordo com o filme, é o idioma exclusivo da população, não dos espiões, que preferem falar na língua de seus adversários), bem como tiros que magicamente nunca acertam Anna. Para quem quer mais, é mais recomendável (re)ver “Nikita”.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.