“RAINHAS DO CRIME” – Um mundo dos homens, mas…
“Este é um mundo dos homens. Mas ele não seria nada sem uma mulher”. É com a música eternizada por James Brown – porém, na voz de Etta James – que se inicia RAINHAS DO CRIME. A ideologia de girl power é um valor elogiável em si mesmo, contudo o filme parece acreditar que essa virtude é o bastante. Não é.
Na Nova Iorque do final da década de 1970, três mulheres assumem o controle da região em que moram depois que seus maridos gângsteres são presos pelo FBI. A despeito de serem bem diferentes, preocupadas em sobreviver, elas se unem. A primeira dificuldade é adquirir o respeito da família – a máfia irlandesa.
O prólogo do filme de Andrea Berloff é bastante didático para apresentar o mundo comum do trio principal: uma é mãe dedicada e inteligente, bem tratada por um marido que, todavia, está mais preocupado com os serviços criminosos que garantem o sustento familiar; a outra não é bem tratada pelo marido e serve de empregada para a sogra; a terceira é humilhada e agredida por um marido violento. Simples e eficaz como a direção.
Baseando-se nos quadrinhos de Ollie Masters e Ming Doyle, Berloff não consegue, no roteiro, fazer um filme bem concatenado. Se Claire e Kathy são personagens carismáticas e instigantes, é graças ao trabalho de, respectivamente, Elisabeth Moss e Melissa McCarthy, não ao desenvolvimento dos arcos dramáticos de cada uma delas. Ainda pior é a narrativa de Ruby, em parte, pela má interpretação de Tiffany Haddish, entre o inexpressivo e exagerado, mas também pelo encaminhamento pouco coerente.
Trata-se de uma trama embolada, visivelmente mal trabalhada e que caminha por atropelos. Amalgamada por estereótipos (irlandeses e italianos mafiosos, judeus ricos etc.) aceitáveis apenas em razão da época, o início do longa é promissor, lembrando bastante o enredo de “Viúvas” (cuja crítica pode ser lida clicando aqui), contudo bem inferior. Na medida em que as subtramas tentam se desenvolver, elas se tornam emboladas, sem encaixe, de modo que o filme se perde. O final tenta ser impactante, em vão.
Na passagem do ingresso no crime para a expansão do domínio regional, o texto se torna atropelado, o que é acentuado pela montagem ruim de Christopher Tellefsen, que faz com que o filme fique ainda mais fragmentado e picotado. No elenco de apoio estão atores gabaritados, porém retratados com uma superficialidade decepcionante. Margo Martindale é desperdiçada em um papel unidimensional, uma mulher que não mostra a que veio, cuja motivação não é explicada e exibe apenas uma direção de raciocínio. Domhnall Gleeson pode até divertir, já que Gabriel é uma personagem extremamente caricata (e o ator, acertadamente, incorpora esse perfil), todavia sua função narrativa é diminuta (é frustrante o potencial do ator e da personagem jogado no lixo).
O alento acaba sendo, como dito, Claire (Moss) e Kathy (McCarthy). A primeira é uma mulher que, após tantos anos recebendo violência, enfim consegue se libertar da posição de vítima e retribuir a quem a agrediu no passado. A noção de empoderamento feminino também está presente com a segunda, que sai da posição passiva de dona de casa para uma conduta ativa na inóspita Hell’s Kitchen, a contragosto do pai e do marido (enfrentando-os em momentos esparsos).
O nome original da produção, “The kitchen” (literalmente, “a cozinha”), tem duplo sentido: faz referência ao bairro de Manhattan, ao mesmo tempo em que alude à transição do trio da cozinha para as ruas. No caso do nome brasileiro, a empreitada de Kathy, Ruby e Claire no mundo do crime fica clara, mas mostrada de forma rasa.
Um atributo positivo do longa é o design de produção assinado por Shane Valentino, expressivo em visão macro (destaque para o “covil” da máfia italiana, repleto de quadros e com visual elegante) e sutil em perspectiva micro (interessante observar que, a despeito de serem criminosos, há um crucifixo na casa de todos, ou como adereço pessoal). A música de Bryce Dessner, por outro lado, acerta tanto quanto erra: a escolha de músicas é muito boa, mas sua presença é exagerada (leia-se, intensa em demasia), ofuscando a emoção que algumas cenas poderiam ter por si só.
“Rainhas do crime” é um filme representativo de uma conscientização sobre o papel da mulher – embora soe um pouco anacrônico pela época – na sociedade. É traçado o perfil de uma mulher independente, que sabe de si e assume o que faz e o que deve fazer. Sem dúvida, ideais progressistas que merecem ser exaltado em um mundo dos homens que esquecem que esse mundo não seria nada sem uma mulher. Cinematograficamente, entretanto, a obra é aquém do desejável.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.