“MÃES E MUITO MAIS” – Humanidade que pede um pouco mais
A máxima de que, sem a morte, a vida não poderia ser desfrutada vale também para a juventude. Se não houver o envelhecimento, a mocidade será uma fase eterna de pouco significado, inclusive a percepção de que o tempo precisa passar. Esse ciclo da vida faz parte da narrativa de MÃES E MUITO MAIS, nova produção original Netflix, para trabalhar as relações entre mães e filhos, indivíduos e o tempo, e a própria individualidade de cada um. Uma abordagem pertinente, na maioria dos casos, para o roteiro e os personagens, mas nem tanto para a estética do filme.
A história gira em torno de Carol, Gillian e Helen, três mulheres que se tornaram amigas graças à amizade de seus filhos Matt, Daniel e Paul, respectivamente. Com o passar do tempo, elas atingiram a meia idade e eles saíram de casa, trilhando seus próprios caminhos distantes das genitoras. Após se sentirem novamente abandonadas em um Dia das Mães, o trio de mulheres decide viajar para Nova York para surpreender seus filhos e passar mais momentos com eles.
Colocando o eixo dramatúrgico nas três amigas, o filme rapidamente mostra sua capacidade de gerar empatia e identificação com personagens críveis e humanizados que não parecem ser meras fabricações para uma obra cinematográfica. A forma como elas são apresentadas evoca uma grande dose de naturalidade e realismo, compatível com a escolha por uma trama corriqueira, mas nem por isso desinteressante: Gillian tem um casamento aparentemente tão sólido que a faz se preocupar somente com o fato de que Daniel enviou uma simples mensagem pelo Dia das Mães; Carol ainda enfrenta dificuldades em lidar com a viuvez ocorrida tempos atrás, com a distância de Matt e com suas lembranças do passado; e Helen possui um cuidado exagerado com a aparência que esconde seus defeitos pessoais, inseguranças e ressentimentos inconscientes com Paul. Além dessas primeiras caracterizações, as personagens também funcionam bem quando interagem, reunindo-se para comemorar o Dia das Mães entre si, conversando sem pudores sobre sexo e se divertindo juntas como mulheres independentes.
A partir das bem-sucedidas interações entre as mulheres, o roteiro também beneficia as relações a serem estabelecidas com seus filhos. Dividindo a narrativa em três núcleos que, por vezes, se encontram, a produção cria subtramas eficientes para cada dupla, que se desenvolvem também de maneira verossímil: Gillian se desentende constantemente com Daniel por interferir na vida amorosa do filho, alimentando dúvidas sobre a ex-namorada e indicando outras jovens para ele se relacionar e sair de uma passagem frustrada de sua vida; Carol demonstra insatisfação com os rumos profissionais da carreira de Matt como diretor artístico de uma revista masculina por exigir algo mais “significativo” para sua existência; e Helen mostra desconforto com o fato de que Paul assumiu sua homossexualidade apenas para o pai e não para ela e tomou decisões não convencionais em relação à construção de uma família (o arco mais interessante entre todos por não trazer conflitos repetitivos em relação à orientação sexual). O que, entretanto, compromete uma força ainda maior para os núcleos é falta de refinamento visual na condução da narrativa.
A simplicidade estética é considerável, fruto da inexperiência da diretora Cindy Chupack para construir uma trama completamente coesa e expressiva. A passagem entre as subtramas sempre acontece com cortes secos, desprovidos de alguma ligação temática ou visual forjada pela montagem, e a composição dos planos não deixa de ter enquadramentos muito tradicionais e modestos (em sua maioria, plano e contra-plano, planos gerais e planos americanos, à exceção de um plano subjetivo evocativo do desconforto de Daniel em um encontro romântico). O próprio desenvolvimento narrativo apresenta irregularidades, especialmente no que se refere ao arco de Gillian, deixado de lado em alguns momentos em favor das jornadas de Helen e Carol. Ainda assim, a cineasta consegue fazer um bom uso da trilha sonora e cria um humor de situações convincente e espontâneo.
Apesar da excessiva sobriedade artística verificada na direção, na montagem e na fotografia, o filme tem o mérito de manter o interesse dos espectadores pelas trajetórias dos personagens. O fato se deve, principalmente, pela evolução dos conflitos entre mães e filhos que segue uma lógica bastante humanizada – evitam-se, assim, idealizações que poderiam contrastar com a atmosfera realista e cotidiana das tramas ao mostrar as falhas de todos os indivíduos retratados e algumas resoluções dramatúrgicas fora do arranjo do “viveram felizes para sempre”. Mesmo tendo clichês (cenas de casamento, homem correndo atrás do amor da sua vida que está saindo da cidade…), o roteiro apresenta Paul como um sujeito que não consegue se desculpar sem provocar sua mãe; Helen como uma mulher movida demasiadamente pelo próprio ego que desconta seus ressentimentos com o ex-marido em qualquer um por perto; e Matt como um filho que não consegue nem citar dez aspectos sobre Carol. Através desse tratamento, a conclusão aponta para um futuro imperfeito de pessoas que precisarão ainda lidar com suas próprias fraquezas.
Trabalhando a espontaneidade das relações entre mães e filhos, “Mães e muito mais” se sai bem como um texto de comédia que investe nas situações e nos personagens para se relacionar com o público, devido também às boas atuações de Angela Bassett e Felicity Huffman. Por outro lado, a ausência de elementos técnicos mais aprimorados e o subaproveitamento do talento de Patricia Arquette faz com que o filme deixe a sensação de que o “muito mais” se limitou ao título.
Um resultado de todos os filmes que já viu.