“SEQUESTRANDO STELLA” – Abordagem variável
Apresentar uma coerência narrativa e dramatúrgica é fundamental para qualquer filme. Inicialmente, SEQUESTRADO STELLA se apoia em uma abordagem instigante para desenvolver a trama, a relação entre os personagens e a violência que possui a sua originalidade. Contudo, a produção Netflix, a partir do segundo ato, abandona suas particularidades e abraça uma perspectiva tradicional e previsível dos thrillers contemporâneos. Uma transformação que enfraquece os primeiros minutos promissores da película.
Os acertos iniciais estão muito associados à forma como o conflito central é apresentado. Sem maiores rodeios, a narrativa mostra o desenrolar do sequestro de uma jovem, arquitetada por dois homens misteriosos. Ela é levada para um cativeiro isolado e sem qualquer possibilidade de comunicação com o mundo exterior, onde tentará prejudicar os planos de seus raptores e precisará lutar pela sua vida. No momento em que descobre conhecer um dos sequestradores, os riscos que corre ganham outra dimensão.
O potencial revelado pelo filme dura apenas o primeiro ato, quando os preparativos e os primeiros instantes do sequestro são apresentados. A abordagem escolhida pelo diretor e roteirista Thomas Sieben é direta, seca e objetiva, dispensando elementos muito explicativos das razões para o crime e das identidades dos três envolvidos. Nesse sentido, os dois homens preparam meticulosamente a van utilizada para o rapto (modificando, por exemplo, a placa do veículo) e o local do cativeiro (colocado em uma casa abandonada e formado apenas por um colchão simples e abafadores de som nas paredes), através de planos de duração média e enquadramentos gerais e simetricamente precisos. Nessas primeiras sequências, o silêncio é recorrente no design sonoro, sendo todas as ações dramáticas filmadas com um trilha discreta de suspense e sons diegéticos, como passos, gritos e ruídos de ferramentas – inclusive, o primeiro som humano emitido é o grito de Stella aos sete minutos, seguido pelo primeiro diálogo entre Tom e Vic aos oito minutos.
Além de criar tensão a partir do silêncio, o filme também provoca essa sensação graças à falta de informações esmiuçadas pelo roteiro. Não se trata de um defeito porque pequenos indícios são construídos para revelar que Vic é o sujeito metódico que planejou o sequestro e se esforça para manter Tom compenetrado em suas tarefas; que Tom reluta em dar continuidade ao crime e em usar violência contra a vítima; que Vic tem dificuldades em convencer o pai da jovem a pagar o resgate; e que existe um conhecimento prévio entre Stella e Tom. Enquanto as pistas sutis situam o espectador nos aspectos da trama e nas interações e caracterizações dos personagens, a abordagem seca trabalha diretamente a violência ou momentos desconfortantes, como se vê na objetividade sem artifícios das cenas em que Stella é ameaçada, faz suas necessidades fisiológicas acorrentada à cama e em Tom ingere de maneira desagradável um projétil.
Ao invés de aprofundar o estilo com o passar dos minutos, o filme reorienta sua abordagem no sentido de ser mais explícito e povoado por convenções de gênero. Os confrontos entre os três personagens que, naturalmente, fazem parte de thrillers baseados em sequestros, são conduzidos a partir de muitos clichês e momentos de tensão artificialmente construídos. O diretor fabrica uma tensão falsa entre Tom e Vic mediante os comportamentos do primeiro, já que o segundo desconfia antecipadamente do companheiro sem que sejam dados motivos suficientes; move a história através de revelações forçadas, como a descoberta de um projétil na parede feita por Vic; e também investe em situações triviais de suspense durante os enfrentamentos físicos, como quando determinado personagem aguarda excessivamente para atirar em outro indivíduo.
Assim como há mudanças prejudiciais no tratamento da violência e do próprio gênero, também existem transformações problemáticas no estilo de condução da trama e dos personagens. Por conta da necessidade de revelar mais detalhes sobre os conflitos, Tom Sieben utiliza diálogos expositivos que tornam demasiadamente explícitas as informações acerca dos embates entre raptores e vítima e as reviravoltas criadas pelo roteiro – exemplificado pelo diálogo entre Tom e Vic enquanto a jovem lutava pela liberdade após ter sua vida seriamente ameaçada. Ao mesmo tempo em que esse problema transparece, igualmente se revela a deficiente construção dramática de Stella, Vic e Tom: a mulher simplesmente transmite o sofrimento físico e psicológico de sua condição e os dois homens apenas contrastam entre uma personalidade fria e um temperamento volúvel, sem qualquer camada adicional.
Portanto, apresentar uma incoerência narrativa e dramatúrgica é danoso para qualquer filme. “Sequestrando Stella” corrobora a existência de uma visão contrária àquela do primeiro parágrafo, sendo um exemplo de como a falta de precisão e esmero para combinar abordagens muito diferentes entre si gera um descompasso significativo tanto na estética quanto na narrativa. A objetividade seca e direta do primeiro ato não dialoga bem com o didatismo explícito dos atos seguintes e deixa a produção em um patamar incompleto diante de suas variações.
Um resultado de todos os filmes que já viu.