“CASAL IMPROVÁVEL” – Uma escolha improvável
Existe pessoa certa para alguém? Muito se fala em “casal perfeito”, aquele em que um é manifestamente “feito para o outro”. O oposto é abordado no filme CASAL IMPROVÁVEL, que leva o espectador a refletir sobre a limitação das interações humanas a partir do próprio círculo – e também do que os outros esperam. Na área da afetividade, não deveria bastar afeto? A película, entretanto, vai muito além dessa reflexão.
O “casal imperfeito” do longa é composto por uma política influente e um jornalista fracassado. Com suas enormes ambições, Charlotte precisa manter o foco e a retidão para atingir seus objetivos. Quando ela dá uma chance ao recém-desempregado Fred, acaba se apaixonando e arrisca perder tudo com o que sempre sonhou.
O roteiro de Dan Sterling e Liz Hannah pode não ser o mais original ou imprevisível – tanto pela trajetória da narrativa quanto pela ideia governante -, mas é composto de camadas pouco usuais nas comédias românticas. A primeira e principal é a mais escancarada: a união de duas pessoas de universos distintos. É verdade que isso também não é original, mas Charlotte e Fred são colocados em polos muito distantes. O que eles têm em comum é o idealismo: contratado para redigir os discursos dela, ele não quer “escrever para um político mentiroso qualquer”, enquanto ela, desde a adolescência, sonhava com um mundo melhor e ecologicamente sustentável.
É nisso que surgem outras camadas no script. No campo da imprensa, há uma crítica sutil ao sensacionalismo midiático relativo às pessoas famosas: se Charlotte está solteira, deleitam-se com um suposto flerte, alguém que esteja publicamente à sua altura – ainda que não seja exatamente do seu agrado. E, com isso, fazem com que muitos acreditem conhecer sua vida pessoal, pouco importando se é uma farsa. Do outro lado, Fred é o cidadão consideravelmente descrente em relação à política, considerando a iniciativa ambientalista de Charlotte é uma boa ideia provavelmente propensa a não ter frutos.
O trabalho do improvável casal é tratado com bastante acidez no texto, deixando claro que, na política e no jornalismo, pessoas com boas intenções precisam enfrentar quem tem o poder. No caso específico da política, o roteiro é razoavelmente profundo (até porque não é esse o foco), escancarando que eleitores são fáceis de serem ludibriados – como ao colocar no cargo máximo alguém mais preocupado com a própria imagem do que com os rumos do país (e o viés político da trama é sutil, mas perceptível ao espectador atento) – e que há uma polarização ideológica maléfica às pessoas (a conversa de Fred com seu amigo sobre suas opções partidárias é hilária).
Somando-se a tudo isso inserções críticas ao sexismo nas duas searas (política e jornalismo), Jonathan Levine conduz bem o humor que permeia a trama, composta por piadas textuais de muita sagacidade, dependentes do ótimo timing cômico do elenco (como na piada envolvendo Taylor Swift), além de piadas visuais (a suástica é o melhor exemplo, por mais estranho que pareça). Do ponto de vista imagético, o figurino de Mary E. Vogt é bastante coeso com a narrativa: Fred sempre de jaqueta de nylon de cores vivas e boné; Charlotte normalmente com roupas elegantes de cores sóbrias (salvo em eventos sociais, em que precisa se destacar, geralmente de vermelho). O mero fato de apenas ela mudar constantemente o vestuário já é uma piada em si, sem desconsiderar o humor textual, usado com ênfase em relação ao figurino.
Levine cria momentos de ação que nem sempre dão certo – o prólogo é bom (parece pertencer a outro filme, tamanha a sua discrepância em relação ao resto da narrativa), mas a cena do bunker é muito fraca na parte da ação. O mesmo ocorre nas cenas de dança: quando toca “Por una cabeza”, não é possível vislumbrar bem a coreografia em razão dos enquadramentos fechados e dos cortes em excesso; já quando a canção é “It must have been love” (Roxette), o minimalismo visual enaltece a ternura do momento. No geral, a trilha musical de Marco Beltrami e Miles Hankins é encaixada organicamente, o que não é fácil considerando sua heterogeneidade (de Boyz II Men a Mozart).
O elenco todo é excelente, com destaque para os formidáveis Charlize Theron e Seth Rogen. Embora ele esteja mais na sua zona de conforto pelo papel mais cômico, o ator não decepciona no lado romântico de Fred. Já Theron é uma atriz de versatilidade impressionante, mas ainda pode melhorar no humor (ainda que não seja esse o foco de Charlotte, personagem mais séria).
“Casal improvável” surpreende não pelo enredo em si, mas porque poucas comédias românticas se aventuram em subtextos inteligentes. Aliar o clichê do gênero (de que o amor deve prevalecer) a insights de crítica social (quanto à política, ao meio ambiente, ao sexismo do âmbito profissional etc.) sem perder no o núcleo essencial (a comédia e o romance) é uma tarefa árdua (executada, todavia, com êxito). Trata-se de uma escolha improvável.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.