“MIB: HOMENS DE PRETO – INTERNACIONAL” – Minha xícara de chá
Talvez seja reboot, talvez, spin-off, pouco importa: MIB: HOMENS DE PRETO – INTERNACIONAL é um filme competente para honrar o legado da franquia iniciada em 1997 e que inovou muito na mistura de sci-fi com comédia de ação. Mantendo os elementos básicos da trilogia inicial, o longa traz novas personagens e uma nova perspectiva para a organização – sem dúvida, um risco.
A protagonista M é uma jovem que, após uma experiência inesquecível na infância, passou a nutrir o sonho de integrar a agência dos Homens de Preto. Quando consegue, conhece o agente H, famoso por feitos históricos, mas que não parece ser competente como dizem. É ele, porém, que vai mostrá-la o que é preciso para ser um Homem – ou Mulher – de Preto.
A ressalva entre travessões é um destaque importante: a produção é claramente preocupada em atualizar a franquia, não bastando dar alguma importância a um papel feminino (até porque isso já existe no primeiro filme). Logo, colocar a liderança máxima da MIB nas mãos de uma mulher (Emma Thompson, no pequeno papel da Agente O) é pouco. Com inteligência, o protagonismo também fica com uma mulher: consciente que M está distante de qualquer estereótipo feminino, Tessa Thompson a aproxima da Valquíria que interpretou em “Thor: Ragnarok”. Isso significa que a personagem não é das mais simpáticas, mas a identificação cinematográfica secundária pode surgir do seu fascínio pelo universo.
Nas palavras da própria M, o que ela mais quer é descobrir “a verdade do universo”. Com isso, ela não se importa com relacionamentos afetivos, revelando-se corajosa (como ao atravessar a cerca falsa) e empolgada (como ao se oferecer para ajudar H) para iniciar o trabalho. Em síntese, ela é a representação daquela pessoa destinada a exercer uma atividade e que encontra a satisfação pessoal somente quando alcança seu objetivo profissional. O oposto do Agente H de Chris Hemsworth, um galã “arrogante e imprudente” (rótulos que ele expressamente recebe). Se M tem a vontade irrefreável de salvar o mundo, H, já o tendo feito, não consegue mais levar o trabalho a sério. Ela tem inteligência, ele, experiência; ela é racional, ele, passional – o que de certa forma justifica a rixa com um colega. A química entre Thompson e Hemsworth funciona muito bem e o timing cômico do ator está melhor a cada filme.
A questão Homens versus Mulheres de Preto é apenas um dos exemplos da contemporaneidade da película – quanto ao tema, vale ressaltar que a reflexão relativa ao machismo mecânico (irrefletido), mais do que oportuna, é inserida de maneira orgânica no texto de Matt Holloway e Art Marcum. Isto é, não consiste em adequação ao politicamente correto, mas apontamento de um Zeitgeist (afinal, em 1997, a discussão era incipiente em comparação a 2019).
Outra vertente contemporânea do roteiro reside na abordagem mais intensa da globalização: para além da mitigação das fronteiras (mediante a facilitação do deslocamento entre países), pessoas e empresas estão mais acostumadas a transferências (em sentido amplo) internacionais – no caso de M, ela é realocada para a “filial” da MIB da Inglaterra. Nos filmes anteriores, a ideia era transmitida por uma metonímia, relativa à noção de relações intergaláticas, dessa vez isso fica mais claro, justificando “Internacional” do subtítulo.
Estruturalmente, o roteiro não é dos melhores, arrastando-se em demasia, o que o diretor F. Gary Gray não consegue solucionar. De certo modo, o filme conta com dois prólogos (o primeiro, uma dispensável sequência in media res, o segundo, um flashback essencial), quase não tendo fôlego para sustentar tantos desafios enfrentados por M e H na MIB comandada por Grande T (Liam Neeson, no piloto automático). Quando começa a se tornar cansativo na ação, a narrativa faz com que a dupla encontre Pawny, um alienígena cuja função de alívio cômico é magistralmente exercida, quiçá monopolizando os melhores momentos do humor. Com Pawny, surgem piadas mais declaradas, inofensivas e universais – diferentemente, por exemplo, do livro que M lê quando criança, da referência à expressão britânica “it’s not my cup of tea” (em tradução livre, “não é minha xícara de chá”, utilizada para designar algo que não é do agrado ou do hábito da pessoa) e da participação (na versão brasileira, evidentemente) de Sérgio Mallandro.
Embora Gray mantenha o espírito da franquia MIB – seja mediante repetição da música-tema, seja pelos incontáveis easter eggs (o pug falante, os jornais, as minhocas etc.) -, há escancaradamente um viés mais infantilizado, voltado para fins comerciais. Sob certa ótica, isso prejudica um pouco os efeitos visuais, que precisam dar uma aparência “fofa” aos aliens (para que bonecos sejam vendidos aos montes), preocupação inexistente na franquia em seu início (não há nada próximo da gosma do primeiro filme, pelo contrário, dessa vez até um capanga de uma vilã é esteticamente amigável).
Novos tempos, novos filmes, velhas histórias – porém, repaginadas. Provavelmente, quem é avesso à renovação das franquias dirá: “it’s not my cup of tea”.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.