“X-MEN: FÊNIX NEGRA” – Continua melhor que seu predecessor
A franquia X-Men foi pensada como uma grande metáfora para a diversidade social, por exemplo, no conflito entre grupos minoritários tidos como diferentes e oprimidos pelas maiorias – qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. X-MEN: FÊNIX NEGRA foge um pouco da ideia governante habitual da franquia (sem se afastar completamente), apresentando outros subtextos, que, contudo, não recebem o desenvolvimento devido.
Depois dos eventos de “X-Men: Apocalipse”, o grupo de mutantes liderados por Charles Xavier recebe um pedido de ajuda do Presidente dos EUA: resgatar astronautas da NASA que sofreram um acidente no espaço. Na empreitada, eles encontram uma misteriosa força cósmica, que acaba sendo absorvida por Jean. Não demora para a telepata descobrir um novo potencial para os seus poderes, o que a leva a investigar seu passado e a conhecer extraterrestres interessados nas suas novas habilidades.
Como não podia deixar de ser, o foco da trama é em Jean Grey (apelidada de Fênix, após revelar suas capacidades), vivida por uma razoável Sophie Turner. Seus questionamentos iniciais em voice over – “quem somos nós?”, “podemos evoluir?” etc. – permeiam a narrativa até quase o seu final, havendo os devidos esclarecimentos sobre seu backstory. O mesmo não se pode dizer de Vuk, vilã interpretada por Jessica Chastain, uma excelente atriz desperdiçada em um papel simplista (até existe uma explicação para a sua motivação, mas que é bastante clichê e rasa). Outro vilão mal trabalhado é o Magneto de Michael Fassbender, que é escancaradamente manipulado por outra personagem (o que por si só já é questionável) e tem uma personalidade bem volúvel.
Tye Sheridan tem algum espaço, mas fica limitado (em termos de atuação) pelos óculos utilizados por Ciclope. Os demais mutantes jovens não aparecem para fazer muito mais do que lutar – é o caso de Tempestade (Alexandra Shipp), Kurt (Kodi Smit-McPhee) e Peter (Evan Peters) -, embora subsista uma vontade de ter maior importância. Isso pode parecer óbvio, mas não é o caso de todos do elenco: Jennifer Lawrence demonstra desdém ao reviver o papel de Mística, a atriz está visivelmente cansada da personagem. Não é o que ocorre com seu parceiro de cena Nicholas Hoult, que ainda traz vivacidade a Hank na versão mutante e algum drama na versão humanizada.
A noção dos X-Men enquanto equipe se fortalece no longa (quando comparado aos precedentes, ignorando a trilogia inicial), o que é visível no figurino de Daniel Orlandi, já que eles estão uniformizados (em clara referência às HQs). Se Mística e Fera são exemplos para Jean, Ciclope, Tempestade, Kurt e Peter, estes o são para os mutantes menores. Do heroísmo do grupo surgem algumas sutilezas interessantes, ainda que superficiais. A primeira é o subtexto da ingratidão dos humanos não mutantes, que parecem sempre prestes a demonizar o grupo de Charles Xavier. O segundo se refere justamente ao professor X: o sempre competente James McAvoy desenvolve um perfil novo a Charles, que conseguiu se transformar muito dentro da franquia, basta lembrar a afetividade exacerbada de “X-Men: primeira classe”, muito diferente do ególatra de “Fênix Negra”, que se assume como vilão. A ideia enseja inclusive um subtexto provocador: o amor legitima alguém a proteger outra pessoa da verdade?
No roteiro, Simon Kinberg não desenvolve a contento todas as personagens, faltando-lhe ousadia com a própria Fênix. Jean se resume a dois polos extremos – a rejeição e a satisfação quanto a si mesma -, não havendo uma zona intermediária, isto é, que não recaia no medo de machucar outras pessoas ou na vontade de o fazer. Trabalhar a dualidade em uma personagem é positivo, desde que não a torne maniqueísta – ao menos dentro do filme (ou seja, ignorando o que existe nos quadrinhos), Jean é a vítima da Fênix, a primeira é boa e altruísta, a segunda é má e egoísta. Uma maneira melhor de abordar a ambiguidade da personagem seria, por exemplo, fazendo com que Jean tenha vontade de dominar os poderes da Fênix e, principalmente, usá-los em seu próprio favor (ao invés de apenas ter medo e não querer ferir terceiros).
Kinberg não escreveu o melhor dos roteiros, compensando um pouco na direção ao ter consciência que comanda um filme de ação. Isso significa que não falta pancadaria, com uma exposição surpreendentemente boa dos poderes dos mutantes secundários. Ciclope, Tempestade e Kurt não têm grande importância narrativa, porém chamam a atenção ao exibir as suas habilidades (em especial Kurt, que tem os poderes, em tese, menos voltados à agressão). O CGI é majoritariamente muito bom, assim como o VFX (o 3D não é ruim, mas, como de costume, dispensável). O problema acaba sendo a montagem frenética de Lee Smith, que atrapalha muito a estética convincente da fotografia de Mauro Fiore e a atmosfera enérgica da trilha musical de Hans Zimmer. O excesso de cortes ofusca os efeitos visuais e prejudica muito a ação.
Depois do frustrante “Apocalipse”, “X-Men: Fênix Negra” soa como um alento, um aprimoramento necessário resultante de uma trama mais consistente. O filme está distante de ser o melhor da franquia, mas cumpre a função de continuidade, em relação a “Dias de um futuro esquecido”, bem melhor que seu predecessor.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.