“THE SOCIETY” – Sociologia simplista e pueril
THE SOCIETY é uma série original Netflix que comprova como apenas ter um tema interessante é insuficiente para construir uma narrativa qualificada. A produção se aventura por discussões sociológicas relativas às bases e ao funcionamento de uma sociedade com uma mistura de estilos muito díspares, agregando referências a “O senhor das moscas“, “Under the dome” e “Riverdale“. A falta de um foco narrativo uniforme e a maneira como as questões da Sociologia são tratadas revelam um roteiro simplificado para uma audiência ainda despreparada para a profundidade em potencial.
A história parte de um mistério sobrenatural para se concentrar propriamente nas consequências de uma situação limite desconhecida e sem precedentes. Quando um grupo de adolescentes retorna à sua cidade natal, após uma expedição mal sucedida, se depara com uma realidade paralela em que seus pais desapareceram sem deixar rastros. A nova cidade é semelhante à original, porém se encontra isolada do resto do mundo por uma densa floresta ao redor. Nessa nova condição, os jovens precisarão lutar por sua sobrevivência e reorganizar as normas sociais.
Os três primeiros episódios são extremamente problemáticos, apresentando diferentes falhas. A proposta fantástica é construída superficialmente (antes do evento misterioso, há apenas um odor desagradável na cidade, uma pichação enigmática em uma parede, uma tempestade e uma viagem fracassada); a degradação moral da comunidade e dos indivíduos acontece de forma acelerada e irreal (uma festa cheia de excessos na igreja como uma catarse injustificada e um diálogo entre dois personagens sobre não confiar em ninguém antes de acontecer algo ameaçador); boa parte da dinâmica dos personagens se resume à tensão sexual ou a conversas vazias e ocas (como os momentos vividos pelos jogadores de futebol americano). Já a direção escancara brechas no enredo (como a conexão de internet só funcionar na comunicação entre os jovens), produz cenas mal filmadas (a aparição de uma cobra na floresta e um suspense criado na igreja com um sorteio de cara ou coroa) e evidencia erros de continuidade na passagem de um plano a outro.
Ao final do terceiro episódio, existe um plot twist que redireciona a trama para caminhos não imaginadas antes. A partir dele, a série apresenta uma tímida evolução por investir em desafios e conflitos pertinentes para uma sociedade em reconstrução. Mesmo inexperientes, os jovens devem resolver problemas sérios e essenciais em suas vidas, como buscar alimentos, administrar os recursos, escolher líderes, garantir a segurança de todos, aplicar a justiça quando ocorrem crimes – tais questões, entretanto, são trabalhadas com uma abordagem muito simplificadora e apressada que consiste basicamente em empilhar problemáticas sem relacioná-las aos arcos dos personagens. Dessa forma, são elementos dramáticos sucessivamente citados sem explorar concretamente os dilemas principais entre individualismo e coletividade e os significados de democracia e autoritarismo.
Evolução com ressalvas acontece também no quesito condução da narrativa, graças à melhoria na direção. A parte visual dos episódios não é construída com recursos muito chamativos ou complexos, limitando-se a superar as deficiências graves anteriores através de uma decupagem simples e de uma composição estética discreta. Ainda assim, os diretores e roteiristas falham na estruturação da cronologia dos acontecimentos (passagens de tempo de dias ou até anos são mal informadas e descobertas abruptamente pelo espectador) e no tratamento a muitos personagens (as transformações dramáticas atravessadas por eles são feitas muito rapidamente e diálogos expositivos constroem preguiçosamente alguns conflitos, como o medo que toda a comunidade sente de Campbell e os preconceitos sentidos por Will).
Potenciais dramáticos desperdiçados também são a tônica dos personagens, sejam eles mal desenvolvidos, sejam eles mal interpretados. Existe uma galeria tão extensa que o público leva algum tempo até identificar cada um deles, suas personalidades e conflitos enquanto vários núcleos são formados e a narrativa salta de um a outro constantemente. Quando finalmente se torna possível reconhecê-los, destaques negativos saltam aos olhos (outros, em compensação, são praticamente nulos): Harry é desinteressante, unidimensional e no mesmo tom abatido de alguém de classe média retirado de seus privilégios (a atuação de Alex Fitzalan reforça tais impressões); Will é apático e inexpressivo, algo potencializado pela interpretação de Jacques Colimon; Allie é uma líder supostamente democrática que se torna autoritária à sua maneira, jamais sendo algo comentado pela trama; o grupo de jogadores de futebol americano que constitui o “exército” é formado por jovens bobos, patéticos e quase bestiais, tamanha é a burrice caricatural como são retratados.
Quando se articulam construção de personagens e desenvolvimento temático, a série se mostra insuficiente em outros pontos. Além de não conseguir tornar esses jovens interessantes e de desperdiçar o potencial das questões sociológicas que levanta, “The society” também subestima conflitos que mereciam mais tempo de tela: a violência doméstica em um relacionamento abusivo, as indecisões quanto à sexualidade e as escolhas feitas a partir delas (especialmente no triângulo amoroso entre Sam, Grizz e Becca) e a união das mulheres para se proteger em uma sociedade em que não existiriam meios legais de combater o machismo e o feminicídio. Os dez episódios da produção não conseguem dar coesão ou alguma densidade a discussões complexas e instigantes, afinal apenas enumerá-las não é o bastante. O gancho deixado em seus últimos minutos sugere que a falta de estofo intelectual para lidar com a Sociologia pode ser agravada por outro ponto: a escolha em explicar as causas do mistério.
Um resultado de todos os filmes que já viu.