“ENTRE VINHO E VINAGRE” – Vale pelo talento cômico
Reúna uma história de amigas se encontrando para celebrar a amizade, de uma viagem por locais belíssimos e de trajetórias pessoais para a superação de problemas internos. Tais elementos já foram tão trabalhados em inúmeros filmes que espectadores mais atentos sabem o que esperar e, geralmente, são pouco surpreendidos. ENTRE VINHO E VINAGRE, produção original Netflix, não escapa de convenções comuns desse tipo de roteiro, mas apresenta um nível acima de outras produções semelhantes do próprio serviço de streaming usando sua maior virtude: o talento de seu elenco principal.
A comédia gira em torno das amigas de meia-idade Abby, Naomi, Rebecca, Val, Catherine e Jenny. Todas viajam para o Vale do Napa na Califórnia, conhecido pelas paisagens encantadoras e pelos vários vinhedos, para comemorar o aniversário de cinquenta anos de Rebecca. Abby aluga uma casa e esquematiza detalhadamente o itinerário das atividades para organizar o encontro e torná-lo especial, intenção que logo é abalada pelo convívio peculiar das seis mulheres.
Se as análises se restringirem ao roteiro em si, as impressões não serão as melhores possíveis ou, em parte, decepcionantes. Os dois primeiros atos cumprem bem a função de apresentar as características das personagens (ainda que elas representem figuras clichês em um grupo de amigas, como a viciada em trabalho, a controladora e a homossexual divertida) e construir situações muito cotidianas e realistas de amizade, entretenimento e companheirismo entre elas, que promovem uma rápida identificação pelo público (é possível lembrar facilmente ocasiões em que amigos, em geral, se divertem fazendo piadas, bebendo, cantando, se lembrando de eventos passados ou qualquer outra atividade semelhante). O filme não se furta de prolongar sequências em que, aparentemente, nada acontece, porém extremamente representativas do amor e do prazer que sentem por estarem juntas: as cenas no restaurante e na volta para casa nunca cansam devido ao humor e a naturalidade como são conduzidas.
Da metade do segundo ato em diante, as críticas ao roteiro podem se intensificar. Justamente porque existe uma sensação de ausência, de potencial dramático desperdiçado quando a trama não revela um conflito muito claro ou repete as situações realistas e carismáticas já vistas anteriormente. As roteiristas Liz Cackowski e Emily Spivey insinuam que pode haver uma discussão séria entre as amigas para mover a narrativa, algo que não acontece; falham em dar pouco espaço a Jenny, comparativamente menos desenvolvida que as demais personagens; e perdem a oportunidade de criar um número maior de cenas que explorem os segredos escondidos e as aparências de estabilidade em belos cenários. Até há um clímax emocional no terceiro ato quando elas precisam descer uma ribanceira, através do uso de metáforas das resoluções individuais de cada uma delas, contudo os momentos anteriores apenas de diversão se repetem em demasia e enfraquecem seus conflitos.
Os problemas narrativos não se tornam ainda mais graves por conta do ótimo trabalho de comediantes referência no cenário humorístico atual nos EUA. Especialmente, Maya Rudolph, Paula Pell e Amy Phoeler (essa em menor medida, porque acumulando também a função de diretora prefere ficar um pouco de lado para valorizar as outras atuações) constroem personagens adoráveis e capazes de criar humor tanto pela ótima apropriação do texto quanto pela comédia física. Apesar de algum brilho específico, seria injusto não enaltecer o timing cômico afiado do elenco como um todo: atrizes que tornam a amizade de suas personagens convincente (não se duvida que elas se conhecem há muito tempo, têm muitas histórias compartilhadas e gostam umas das outras) e exploram com naturalidade piadas sobre o universo feminino de meia-idade (comentar sobre a passagem do tempo ou sobre homens em geral). Além disso, Jason Schwartzman, Maya Erskine e Cherry Jones são coadjuvantes de luxo que protagonizam também bons momentos de humor (como a cena da consulta do futuro por cartas).
Desempenhando o papel de diretora, Amy Poehler se esforça para ressaltar as performances e deixar a câmera a mais discreta possível. A ideia é realizar uma direção de atores eficientes para transmitir a união das seis mulheres e, portanto, também valorizar o texto cômico escrito. Ainda assim, algumas escolhas visuais, por mais que procurem ser realistas e simples, resvalam na timidez dada à sua pouca utilização: por exemplo, os planos gerais que situam algumas sequências nos belos vinhedos da Califórnia e os cortes secos que constroem a piada através da surpresa do que aparece em tela – os dois recursos poderiam ser utilizados com maior frequência, principalmente o último, para potencializar o humor rápido pelo qual as atrizes são conhecidas.
Apontar a câmera e o interesse da narrativa por um grupo de amigas beirando os cinquenta anos faz de “Entre vinho e vinagre” uma comédia com seus valores. Trata-se de uma faixa etária que vem sendo relegada a um segundo plano pelo cinema norte-americano em geral e pela Netflix em particular, já que as preferências ainda são por personagens mais novos. Não é um filme perfeito que consiga desenvolver todas as potencialidades de sua narrativa, mas é inteligente para lidar com o humor e com seu universo feminino de uma maneira que não fique restrito a nichos. Ele atinge todos interessados em uma comédia carismática.
Um resultado de todos os filmes que já viu.