“CEMITÉRIO MALDITO (1989)” – Os medos e os dramas da morte
As adaptações de obras de Stephen King para o cinema são inúmeras até hoje. O estilo da escrita do autor é muito visual, sendo logo imaginadas como ficariam na tela grande histórias diferentes entre si e pertencentes a um mesmo universo coeso que conquista tantos fãs. Atualmente, a maioria dos projetos é bem sucedida (“It: A coisa“, “Jogo perigoso” e “1922“), mas nem sempre foi assim, dada à quantidade de filmes de gosto duvidoso lançada na década de 1980. Em meio aos insucessos desse período, está um dos exemplos de livros de terror bem adaptados: CEMITÉRIO MALDITO.
A história se desenvolve de uma forma que a narrativa abre espaço para discutir o temor humano em relação à morte, aliando terror e drama. Tudo se inicia com a mudança de casa da família Creed para os arredores de Chicago, um local que possui dois problemas: a estrada à frente por onde passam caminhões em altíssima velocidade e um misterioso cemitério no bosque nos fundos da moradia. Quando o gato da família é atropelado, Louis é levado pelo vizinho Jud para uma parte do cemitério que tem o poder de ressuscitar o que for deixado no terreno; esse é o ponto de partida para desdobramentos inimagináveis para todos os personagens.
O fato de os livros de King serem lembrados por conter monstros, fenômenos paranormais, situações fantásticas e sensações de medo esconde o aspecto central de suas criações: são tramas, criaturas e acontecimentos que se voltam para os demônios internos da humanidade, sempre como uma metáfora para o que mais a assusta. O filme revela como o medo e a incompreensão diante da morte provocam as mais problemáticas e conturbadas reações dos personagens. A tentativa de barrar o desfecho inevitável de toda a vida, custe o que custar, impulsiona defeitos humanos canalizados na figura do pai, dentre eles o desespero, o egoísmo, a loucura e a paranoia controladora.
A narrativa se desenvolve até o segundo ato deixando de lado os sustos e investindo na construção de uma atmosfera de tensão, calcada no drama oriundo da perda humana, do luto e da dificuldade de lidar com emoções intensas. A família se muda para uma nova cidade onde os riscos são apresentados de modo a fazer o público imaginar que eles voltarão em breve (os caminhões na estrada e o cemitério de animais com seu poder perigoso); e os conflitos dramáticos envolvem o esforço em preservar a filha Ellie dos impactos da morte (as tentativas de cuidar do gato que, constantemente, se aproxima da estrada e as falhas em explicar o que acontece com os mortos através da religião) e a incapacidade de o pai aceitar o curso natural da vida e as dores por ele causado (a perspectiva de ficar sozinho ou de perder um ente querido o atormenta violentamente).
A caracterização e o desenvolvimento dos personagens também se encontra, a todo momento, com a morte ou com as ameaças emocionais que ela representa. O arco envolvendo Louis se cruza com o do vizinho, que giram em torno das consequências de trazer de volta à vida qualquer ser enterrado na parte mais afastada do cemitério (flashbacks funcionais são inseridos pelo relato do vizinho para explicar a lógica por trás da ressurreição); aquele envolvendo a mãe, Rachel, diz respeito a um trauma familiar do passado que ainda volta para assombrá-la (flashbacks ou alucinações também são bem inseridos para acentuar a atmosfera criada); já o arco ao redor da filha envolve a necessidade de proteger um ser inocente da dor da perda, ainda que ela sinta a proximidade da morte através de sonhos muito vívidos.
Drama e tensão se mesclam em uma atmosfera construída pelo design de produção que pontua o caráter destrutivo da morte. A abertura do longa é extremamente eficiente para apresentar o cemitério e seu tom lúgubre de cruzes desgastadas pelo tempo, de emaranhados de árvores selvagens, de teias de aranha e de rabiscos infantis em lápides semi devastadas (além de fazer parecer que as lápides contam suas próprias histórias de animais enterrados por tantos anos com uma narração voice over); o interior da casa dos pais de Rachel é filmada para destacar uma pintura mostrando uma mulher portando uma foice ao lado de um gato. Além disso, muitas cenas são filmadas com uma profundidade de campo elevada para enfatizar o ambiente ameaçador ao redor dos personagens.
No terceiro ato, a insinuação do terror ganha uma forma concreta, o que permite algumas potencialidades, mas também leva a algumas deficiências. O contraste entre a inocência infantil e a violência descontrolada produz cenas representativas do medo sentido pela família, da brutalidade da ameaça que paira sobre os indivíduos e do desequilíbrio gerado por alguma entidade que tem controle sobre o que acontece; em muitos momentos, o uso de efeitos práticos e da maquiagem potencializa o horror daquelas situações (sangue, ferimentos e pele decomposta, por exemplo). Porém, alguns elementos datados e muito específicos da década de 1980 produzem um exagero dramático ou problemas visuais, como as construções da cena de um atropelamento e da cena da discussão em um enterro, assim como os efeitos visuais artificiais e ultrapassados após a passagem dos anos.
“Cemitério maldito” apresenta o eterno risco das comparações entre o material original e a adaptação audiovisual. O livro escrito por Stephen King em 1983 possui um clima angustiante e um desfecho perturbador condizente com a abordagem particular do autor, já sendo uma obra de grandes virtudes. O filme lançado em 1989, mesmo com problemas relacionados a aspectos datados de sua época, ainda preserva uma áurea de mistério e risco permanente capaz de desenvolver um estilo de terror despreocupado com os sustos fáceis. Estabelecendo-se também como uma narrativa dedicada em abordar a questão da morte para a humanidade, a produção marca seu lugar no gênero a ponto de suscitar anos depois um projeto de remake, prova do interesse por essa história.
Um resultado de todos os filmes que já viu.