“ALGUÉM ESPECIAL” – Personagens maiores que o filme
Todo espectador conhece a sensação de assistir a um filme previsível e já saber de antemão a direção por onde seguirá e boa parte das mensagens que irá passar. O resultado cinematográfico pode ficar aquém do seu potencial se um cenário assim acontece. Mas quando existem personagens simpáticos, críveis e de identificação certeira que despertam o interesse por sua trajetórias, a eventual previsibilidade não impede uma experiência, no mínimo, agradável. ALGUÉM ESPECIAL consegue elevar parte de suas qualidades com o trio de personagens femininas de seu elenco e, principalmente, com a dinâmica entre elas.
O ponto de partida para a interação entre as três principais mulheres retratadas pelo filme é o fim do longo relacionamento amoroso entre Jenny e Nate. Ela se prepara para recomeçar a vida mudando de cidade e aproveitando uma última aventura com as amigas Erin e Blair. Tentando fazer essa última noite inesquecível, elas se preparam para ir a um show sem que saibam como o evento irá fazê-las repensar suas vidas.
O primeiro ato se inicia com a apresentação das personagens: Jenny está arrasada pelo término do namoro, que vinha desde os tempos da faculdade, e se mostra uma mulher impulsiva, insegura e dramática que revela sua personalidade variável através das expressões faciais intensas e de algumas frases em espanhol ditas por Gina Rodriguez; Erin é bem resolvida com sua homossexualidade e com sua visão de mundo progressista, mas também se esforça para simplesmente desfrutar o momento, cabendo a DeWanda Wise criar uma aparente adolescente que foge de responsabilidades como um trabalho fixo, a arrumação do quarto e um relacionamento sério; Blair é uma mulher que não corre riscos e prefere a segurança de suas obrigações rotineiras em casa e no trabalho, além da atuação de Brittany Snow indicar sua suposta autoconfiança (algo simbolizado pela palavra feminista escrita em sua caneca e na frase “faça o que ama” em um enfeite na parede de seu apartamento), já que está em um relacionamento que não a satisfaz. As diferentes personalidades das amigas se complementam e produzem situações reais e engraçadas para convencer o público da amizade entre elas.
Mesmo não tendo uma estilização carregada, a narrativa confere uma estética pensada que se diferencia da falta de estilo visual de outras comédias românticas hollywoodianas. Enquanto lamenta o fim do namoro, Jenny se recorda do tempo compartilhado com Nate através da inserção de flashbacks banhados por luzes néon ou fachos de luz amarela, verde ou vermelha estilizados – a iluminação idealiza o período em que estavam juntos. Além disso, a montagem utiliza mensagens trocadas em redes sociais, como Instagram e WhatsApp, para indicar a passagem do tempo e o desgaste da relação – recurso que também imprime dinamismo à narrativa e é compatível com o universo tecnologicamente moderno das personagens.
No segundo ato, a diretora Jennifer Kaytin Robinson não sustenta o ritmo e o interesse pela trama quando ela mostra as três amigas se preparando durante o dia para o show à noite. O que poderia ser um alívio emocional para a protagonista e algumas oportunidades de reforçar os momentos felizes da sua amizade se torna somente aparições de personagens desinteressantes, fornecedores de drogas, álcool e convites para o evento musical. As únicas ocasiões que ainda funcionam são as entradas de flashbacks com o mesmo padrão visual do início e inseridos com precisão pela montagem – algum fato do presente faz Jenny retornar às experiências do passado e a sucessão dos próprios flashbacks encadeia sutilmente diferentes instantes da relação com Nate.
A partir do momento em que se arrumam para ir ao show e ao evento propriamente dito, o filme volta a um nível melhor. A dinâmica entre as amigas é ressaltada pelas cenas em que dançam ao som de uma música hip hop enquanto experimentam as roupas e em que cantam uma canção pop – exemplos que destacam o prazer, a satisfação e o companheirismo por estarem juntas. Os arcos das personagens se encaminham para uma conclusão no show, quando as três evoluem dramaticamente: Erin tem um desfecho previsível, porém simpático quando aceita uma vida de responsabilidades compatível com sua idade; Blair começa a se entregar aos riscos inerentes à vida, mas tem seu arco fechado em um anticlímax com sequências apressadamente mal resolvidas; já Jenny tem a trajetória menos previsível se comparada às outras duas, voltando-se para si mesma para identificar o sentido do relacionamento e de seus desdobramentos.
“Alguém especial” entra no acervo original da Netflix como uma comédia romântica que pode não ser a melhor experiência do gênero nem uma obra inteiramente sólida e consistente. Existem problemas de ritmo em porção considerável do segundo ato e de tratamento previsível das suas personagens, pouco surpreendo o público ou explorando insatisfatoriamente as camadas das três mulheres. Apesar disso, é possível desfrutar da dinâmica prazerosa, fraterna e realista de Jenny, Erin e Blair e da maneira como ela se desenvolve para valorizar as amizades femininas e a própria força da mulher capaz de orientar sua vida, com ou sem relacionamentos.
Um resultado de todos os filmes que já viu.