“LOJA DE UNICÓRNIOS” – Amadurecimento incompleto
A estreia de Brie Larson na direção, uma nova dobradinha da atriz com Samuel L. Jackson, o marketing da Netflix e o hype do lançamento de “Capitã Marvel” e da proximidade de “Vingadores: ultimato“: tais elementos, por si só, podem chamar a atenção do público para a nova produção do streaming chamada LOJA DE UNICÓRNIOS, mas não podem esconder que se trata de uma história de amadurecimento desbalanceada no tom e no ritmo da narrativa.
O filme é um feel good movie centrado na transição para a vida adulta com suas obrigações e responsabilidades que mistura o realismo e o fantástico. A trama acompanha a jovem Kit após ser rejeitada em uma escola de artes e voltar a viver na casa dos pais. Precisando dar um novo rumo à sua vida, ela aceita um emprego entediante em um escritório. Um dia, recebe um misterioso bilhete que a leva para “A loja”, um estabelecimento que pode realizar seu grande sonho: adotar um unicórnio.
Em sua abertura, é possível ver o contraste entre os vídeos caseiros de Kit durante a infância brincando e sua decepção quando tem sua pintura recusada em uma avaliação. As duas sequências sobrepostas indicam o conflito de uma personagem já crescida ainda tendo atitudes infantilizadas e sendo assim tratada pelos pais (eles querem fazê-la comer verduras na refeição e a deixam passar o dia todo assistindo TV). A caracterização da protagonista reforça sua condição ao trazê-la trajando roupas muito coloridas e com um formato que remete à fantasia de uma fada e tendo seu rosto sujo por tinta (o azul e o rosa são as cores recorrentes para ilustrar Kit). Até os primeiros minutos, há uma boa introdução da situação da personagem que não se encaixa bem enquanto envelhece.
Quando Kit começa a trabalhar em um escritório como a “moça da Xerox”, o realismo do cotidiano é prejudicado por personagens injustificadamente absurdos: os pais superprotetores e caricaturais que infantilizam a filha sob o pretexto de pensar em sua felicidade; o chefe assediador que tem um tom de voz muito pausado, uma fascinação incompreensível pela protagonista e outros comportamentos estranhos; e a colega de trabalho autodepreciativa e constantemente abalada por vários medos. Por mais que as forçadas tentativas de amadurecimento por Kit sejam bem construídas (vestir roupas formais e cinzas e comer um prato cheio de verduras), os demais personagens ao seu redor são problemáticos – falhas provocadas pelo roteiro, que não consegue dar função a eles, e pela direção de Larson, que não consegue criar a comédia necessária.
A partir do instante em que o aspecto fantástico ganha espaço, o filme apresenta uma ligeira evolução. A descoberta da loja, de sua capacidade de vender o que seus clientes mais necessitam, da curiosa figura do Vendedor e do desejo de Kit por um unicórnio ampliam o interesse do espectador em relação ao que ainda poderá assistir. As metáforas em torno do animal e das exigências a serem cumpridas para consegui-lo podem ser piegas e expositivas (melhorar a relação com seus pais, acreditar em seu próprio potencial, não abandonar completamente seu lado inocente…), porém funcionam dentro da jornada ingênua e dramática percorrida pela personagem.
Visualmente, o arco envolvendo a obtenção do unicórnio também agrada. As cores quentes voltam a povoar a narrativa como contraponto à vida séria que Kit leva em seu emprego e em sua casa: gradativamente, ela altera seu figurino passando a ter cores intensas saídas do arco-íris; as roupas e adereços usados pelo Vendedor também trazem uma forte coloração, transitando entre o rosa, o azul e outras variações semelhantes e combinando com uma fita dourada ao redor de sua cabeça; e a própria loja carrega dentro de si uma atmosfera mágica com as mesmas cores já citadas para decorar seus cômodos variados. A maior ressalva nesse arco fica por conta de sua resolução, carente do dinamismo visto anteriormente para entrelaçar a mensagem metafórica e a trajetória emocional da personagem.
É possível também perceber a diferença de atuações dentro da dimensão fantástica da produção. Samuel L. Jackson vive o Vendedor como uma espécie de Willy Wonka caricatural na medida certa em que se diverte entre o absurdo e a magia; Mamoudou Athie interpreta Virgil, o funcionário de uma loja de conveniências que se torna amigo de Kit e o ponto de contato entre o realismo e o fantástico do filme ao se aproximar gradativamente dela; e Brie Larson vive Kit de forma instável, apesar de alguns bons momentos de sua performance: os extremos da personalidade da personagem são bem estabelecidos (a infantilidade de uma adulta que aparenta não ter crescido e a seriedade artificial de quem não está à vontade com a passagem do tempo), porém as nuances presentes na jornada de amadurecimento são feitas burocraticamente, algo semelhante ao ocorrido em “Capitã Marvel“.
“Loja de unicórnios” não é uma estreia decepcionante nem promissora de Brie Larson atrás das câmeras. É muito mais um trabalho detentor de uma mensagem edificante que tropeça na forma como pode construí-la e transmiti-la, por conta da inexperiência e de escolhas artísticas que nem sempre se sustentam. Ao final, fica a sensação de que se assiste a um filme sabendo para onde ele quer ir, mas incapaz de empolgar no trajeto até lá.
Um resultado de todos os filmes que já viu.