“SHAZAM!” – Um super-herói mais super que heroico
Sem grandes valores morais ou sabedoria transcendental, isto é, mais super que heroico, SHAZAM! é uma comédia formulaica fiel à sua modesta proposta. O filme não tem ousadia nem inovação, mas faz razoavelmente bem o que planeja para si: um entretenimento superficial e efêmero, mas divertido.
Com apenas catorze anos, o problemático Billy Batson é encontrado por um mago que passa a ele incríveis poderes. Falando em voz alta o acrônimo “Shazam” (sabedoria de Salomão, força de Hércules, vigor de Atlas, poder de Zeus, coragem de Aquiles e velocidade de Mercúrio), o garoto se transforma em uma versão adulta de si e pode usar as habilidades. Tudo vai bem enquanto Billy se diverte com a novidade, sem saber que está prestes a enfrentar um inimigo que deseja ter a mesma potência.
Boa parte em razão da idade, Billy não se preocupa em ser um grande herói. O que o empolga é explorar seus incríveis poderes – entre eles, soltar raios e resistir a projéteis de armas de fogo como o Superman. Seu irmão Freddy acaba tendo a função de mentor na jornada, já que é muito mais interessado no universo dos super-heróis. E os dois são bem diferentes: Billy é apático, antissocial e sério, enquanto Freddy é falante, empolgado e bem-humorado. Asher Angel vai bem como Billy, todavia é o irmão vivido por Jack Dylan Grazer que chama a atenção em um papel narrativamente essencial e humoristicamente eficaz. Faithe Herman atua como Darla, uma coadjuvante de menor relevância, mas que rouba a cena quando aparece.
O arco dramático de Freddy é pouco explorado, pois é Billy que é colocado no foco. Enquanto o primeiro é reduzido ao fanatismo dos super-heróis, o segundo é o típico adolescente revoltado. Contudo, há um motivo para ele ser difícil de lidar, motivo que dá alguma carga dramática à personagem e, assim, lhe dá uma dimensão a mais. É com Billy que está o subtexto relativo à importância da família, sendo mais que explícita a transformação pela qual ele passa – ao menos no sentido metafórico. A contraposição entre os garotos se faz presente na fotografia de Maxime Alexandre, que prioriza a cor vermelha para representar a energia do protagonista (na blusa, no metrô e, claro, no uniforme de super-herói) e o anil como símbolo da função subsidiária do coadjuvante (na camiseta, na mochila etc.).
No sentido literal, Zachary Levi exagera um pouco nas expressões cômicas, mas é possível relevar isso ao considerar que a mente é a de um garoto de catorze anos. Pode parecer que a sabedoria de Salomão não está presente, porém a maneira pela qual ele derrota o vilão é através da estratégia, não com base na força bruta. É verdade que o antagonista, dr. Thaddeus Silvana, é unidimensional, contudo o mesmo não vale para Billy. O vilão procura uma vingança em face de familiares, tornando-se inimigo de Shazam ao saber que sua empreitada pode correr risco – e está também motivado porque quer os poderes para si. Mark Strong não pôde criar camadas que a personagem não tem, de modo que Silvana é mola propulsora de um plot necessariamente dependente de um super-vilão insosso.
O roteiro de Henry Gayden é subdividido em dois arcos dramáticos principais (do antagonista e do protagonista), não se preocupando em fazer coadjuvantes robustos. Se a opção simplifica a estrutura do script, o torna singelo em nível além do desejável. Enquanto Silvana faz vilanias, Shazam tira selfies e ganha dinheiro. A despeito dos incomparáveis poderes, Billy ainda é um garoto despreocupado com os outros e indisposto a ser um super-herói (é onde entra Freddy). A parte em que a mitologia do super-herói é explicada ao público não é bem elaborada e, por isso, não consegue ser muito convincente, mas talvez uma explicação completa dependesse de um tempo grande demais (e o filme já foi elastecido em demasia).
A direção de David F. Sandberg dá o espírito alegre e aventureiro que o longa demanda. Por se passar na Filadélfia, é engraçada a referência ao ícone Rocky Balboa; já as referências ao clássico “Quero ser grande” (clique aqui para ler a nossa crítica) são mais de contexto (a loja de brinquedos e o teclado tocado com os pés) do que humorísticas. Algumas sequências são divertidas na medida certa, como a que Billy aprende a utilizar o potencial de Shazam (referência a “Homem-Aranha”, de Sam Raimi) – a montagem elíptica evita o tédio, possibilita mostrar um arsenal maior e dá dinamismo, especialmente pela escolha de “Don’t stop me now” (Queen), cujo ritmo converge com o momento, além de ter um simbolismo cirúrgico.
“Shazam!” tem problemas técnicos de menor gravidade, como fan services sem função narrativa e defeitos de continuísmo, além de um CGI decepcionante nos Pecados (o visual é excelente na concepção, mas a execução não é minimamente realista e facilmente pode tirar o espectador do filme). A película tem um quê dos anos 1980 e 1990, mas não é anacrônico e extrai risadas da sua plateia (como na cena da mulher sendo assaltada e na sequência na loja). Tratando-se de uma comédia competente, mas não hilária, a falta de originalidade não incomoda porque a produção não tem grandes ambições cinematográficas. Se a ideia, porém, for uma continuação, é necessário ir além.
Em tempo: o filme tem uma cena no meio dos créditos e uma no final. A primeira tem alguma relevância; a segunda é apenas mais uma piada.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.