IMAGEM E PALAVRA – Mais experimento que cinema [42 MICSP]
Se “Adeus à linguagem” é uma quebra considerável ao cinema narrativo como ele é conhecido, IMAGEM E PALAVRA é um experimento ainda mais radical de Godard. No primeiro, a ideia de estória é diminuída em prol do audiovisual em sentido estrito (com destaque ao uso da tecnologia 3D), no segundo, pode-se afirmar que não há estória.
Não há uma sinopse para “Imagem e palavra”, circunstância que por si só já é suficiente para dificultar a análise fílmica. Entretanto, também é premissa da obra, que realmente não quer ser narrativa no sentido tradicional. A heterodoxia é seu traço característico e certamente não há filme nenhum passível de comparação – salvo os precedentes recentes de seu autor, a lenda viva Jean-Luc Godard.
O cineasta, um dos maiores da sétima arte, foi um dos pilares da Nouvelle Vague, movimento francês que, a partir do fim da década de 1950 (mais precisamente, em 1958, com “Nas garras do vício”, de Claude Chabrol), abraçou novos paradigmas na seara. Ironicamente, Godard tem adotado ideias ainda mais vanguardistas e revolucionárias, o que enfatiza sua rebeldia artística e seu inconformismo com o status quo cinematográfico.
Do ponto de vista visual, seu novo filme não tem imagens inéditas: tudo que é visto é uma apropriação de filmes, reportagens, vídeos caseiros, desenhos etc. A montagem frenética lança essas imagens contra o espectador com uma agressividade incômoda, dificultando a interpretação que o espectador almeja fazer. Não há muito o que compreender, extrair ou interpretar, os fragmentos são, no máximo, micronarrativas desferidas em face do público como projéteis. Se o objetivo fosse a compreensão completa, haveria legenda durante o filme inteiro (o que não ocorre).
A reiteração de imagens (o que não é novidade na filmografia de Godard) é um dos inúmeros recursos adotados na película, bastante adulterada quanto à homogeneidade estética, tendo em vista o uso de diferentes formatos e manipulação de cores. As ferramentas seriam hipnóticas não fosse o frenesi esquizofrênico do experimento godardiano.
Do ponto de vista sonoro, contudo, o esmero não é o mesmo. O filme propõe uma reflexão a partir de excertos lidos (com referências shakespearianas, por exemplo) ou vistos, preocupando-se bem menos com o som. Ao final, o encaminhamento temático sobre o Oriente Médio destoa da abstração que prevalece até então, abandonando pensamentos sobre o imaterial para abordar uma realidade nada inédita (matéria presente inclusive em outros filmes dele).
Diante de um caos assustador e de um certo obscurantismo comunicativo, é muito difícil, quiçá impossível, qualificar “Imagem e palavra”. A despeito da virtude da originalidade, o filme é tão diferenciado que se torna demasiado enigmático e pouquíssimo palatável. Como experiência, é válido; como filme, talvez esteja muito à frente de seu tempo e de sua plateia (aqui considerada qualquer plateia contemporânea).
*Filme assistido na cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.