“TODOS JÁ SABEM” – Eles podem mais
Escrito e dirigido por um cineasta vencedor de dois Oscar e com um trio de peso no elenco, dificilmente TODOS JÁ SABEM seria ruim. Contudo, manter uma expectativa não tão alta evita uma leve decepção. O filme é bom, mas não atinge o potencial máximo dos envolvidos.
No longa, Laura volta à sua cidade natal na Espanha com seus dois filhos para o casamento de sua irmã, enquanto seu marido, Alejandro, permanece em Buenos Aires em razão do trabalho. Além da família, Laura reencontra Paco, com quem tinha uma relação muito próxima na adolescência. Durante a festa do casamento, a filha de Laura é sequestrada. A partir desse momento, todos se tornam suspeitos.
Escrito e dirigido por Asghar Farhadi (vencedor do Oscar por “A separação” e “O apartamento”), trata-se de um filme de mistério cujo incidente incitante é o sumiço de Irene, filha adolescente de Laura, centro da trama. Nesse ponto de vista, o roteiro é bem amarrado ao enfocar na personagem de Penélope Cruz: inicialmente radiante, Laura passa a representar uma mãe perdida e desesperada pelo sequestro de Irene, ao mesmo tempo em que sua carência de amparo faz com que se divida entre a necessidade de Alejandro e a disponibilidade de Paco. No muro entre passado e presente, Laura é o nexo do trio e, por óbvio, o núcleo dramático da narrativa.
A questão temporal não é supérflua: Farhadi começa sua película mostrando um relógio de torre por dentro, indicando ao público que o tempo cumpre função essencial no filme. Trata-se de uma metáfora visual oportuna, sobretudo considerando que as personagens tentam explicar o presente a partir do passado. De certa forma, o longa é sobre a passagem do tempo. O pretérito diegético vem à tona não apenas no que Paco representa para Laura, mas também nas terras que agora pertencem a ele, mas que originalmente tinham outro proprietário. Farhadi é engenhoso no roteiro para demonstrar que facilmente passado e presente formam um todo ao se confundir. O título da obra se justifica em especial por um fato de conhecimento notório das personagens, mas que também é deveras previsível ao espectador.
(Este parágrafo pode conter spoilers) Certamente é nisso que o texto de Farhadi falha: o script é inflado com teorias conspiratórias e explicações variadas, que nada mais são que red herrings (pistas falsas), como os recortes de jornais e as mensagens que Bea (mulher de Paco) recebem. Não que esse recurso não seja válido, ao revés, é uma opção bem comum para tramas de mistério. O problema é que o filme chega ao excesso pelo qual todos são potenciais culpados, a charada do conflito principal fica bem nebulosa e, principalmente, o espectador não é capaz de solucioná-lo em razão dessa nebulosidade. Vale dizer, salvo em razão de um vago e questionável foreshadowing (rastro verdadeiro, mas imperceptível ou indecifrável – e na verdade nem bem verdadeiro ele é), a resposta para o enigma (quem sequestrou Irene e seu motivo) é ocultada a ponto de impossibilitar ao espectador descobri-la por si só. Em última análise, o desfecho é desleal: mesmo coerente, a indecifrabilidade prévia é frustrante. De que serve um mistério se não é possível desvendá-lo? Aliás, causa estranheza que uma personagem (mesmo que já ao final) descubra o/a responsável pelo crime e permanecer inerte.
O mérito de Farhadi, a despeito das ressalvas mencionadas, é instigar o público com o suspense. Ainda que se considere o exagero injustificado da duração da película, o longa consegue manter a curiosidade até o final em razão de vários fatores, dentre eles é indispensável mencionar o elenco e as personagens. Tudo começa pelo trio estelar. A já mencionada Penélope Cruz acerta ao não exagerar no twist emotivo pelo qual Laura passa (contente no início, entristecida a partir do incidente incitante) e por modificar sutilmente o sotaque espanhol (mesmo espanhola, Laura vive há anos na Argentina, o que inevitavelmente muda sua fala).
O destaque menor atribuído a Javier Bardem e Ricardo Darín não se traduz em menor qualidade interpretativa, pelo contrário, os coadjuvantes são precisos na sua essencial acessoriedade. Bardem imprime em Paco uma personalidade emotiva e intensa, além de passional, o que combina com seu oposto Alejandro, que Darín interpreta com sobriedade e calma, mesmo nos momentos mais intensos. Não é sem razão que Alejandro tem uma atitude religiosa (doando para a igreja, fazendo o sinal da cruz antes de comer e mencionando a ajuda divina em seu discurso), enquanto Paco ironiza o padre que pede dinheiro. De certa forma, isso explica o passado (novamente, o fator temporal) de ambos e reforça como as personagens são multifacetadas (por exemplo, Alejandro, a despeito do menor tempo de tela, tem conflitos internos que ajudam a compreender seu modo de ser). São personagens construídas em camadas tanto pelo roteiro quanto pelas atuações, o que eleva a qualidade do longa.
Do ponto de vista técnico, o design de som é consideravelmente falho: uma trilha musical mais presente poderia colaborar, bem como um aprimoramento da mixagem, como na sequência do casamento, sonoramente caótica. Tal aspecto não ofusca, todavia, as qualidades da produção. A questão é que, considerando o que os envolvidos (Farhadi, Cruz, Bardem e Darín) já fizeram, todos já sabem que eles podem muito mais.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.