“DUMPLIN'” – A mensagem é o que importa
DUMPLIN’ é a combinação entre comédia romântica leve, do tipo feel good movie, e uma mensagem social empoderadora. Baseando-se no livro homônimo escrito por Julie Murphy, a nova produção original Netflix transmite suas ideias de modo simples, mas nem por isso panfletário ou restrito apenas à primeira impressão deixada pela trama: a questão dos diferentes tipos de beleza é o ponto de partida para outros temas relacionáveis e igualmente relevantes.
A diegese parte de Willowdean Dickson, uma jovem acima do peso e muito confiante com o próprio corpo, que não tem uma boa relação com a mãe Rosie, uma ex-miss. Quando se apaixona pelo colega de trabalho Bo e começa a enfrentar várias inseguranças, ela decide se inscrever em um concurso de beleza, organizado pela mãe, como forma de protesto. Enquanto a narrativa se desenrola, Will mostra como sua tia Lucy teve grande influência sobre sua personalidade e sua confiança em si mesma, inclusive a apresentando à melhor amiga Ellen, com quem cresceu; além de construir amizades com outras jovens de seu colégio, também ridicularizadas, por estar acima do peso (caso de Millie), ou ser vista como a garota problemática (caso de Hannah) – o exemplo de Will faz Millie e Hannah também participarem da competição de miss.
A caracterização da protagonista e a atuação de Danielle Macdonald indicam o primeiro tema debatido: as críticas à indústria da beleza e dos concursos de miss por definirem um padrão do que é belo, considerando qualquer variação digna de exclusão e inferiorização. A personagem é confiante e, inicialmente, bem resolvida com seu corpo, enfrentando o bullying dirigido a ela (como quando discute com a mãe, que a insiste em chamar de “fofinha”, e quando agride um colega de escola que a provoca). Ainda assim, ela passa por dúvidas que a fazem questionar como é: a distância emocional em relação à mãe, tão envolvida com o trabalho; e as incertezas quanto ao possível relacionamento com Bo – tudo isso aparece como resultado das pressões sociais e dos padrões de beleza estabelecidos, que podem afetar mesmo as pessoas aparentemente mais fortes.
O roteiro vai além da exibição de como pessoas fora do peso sofrem preconceito e são diminuídas. Os personagens secundários demonstram que existem outras lutas por aceitação e respeito: a jovem rebelde Hannah tem o discurso mais contundente de repulsa ao machismo e aos estereótipos definidos pela sociedade; a jovem Millie, também acima do peso, mostra que o concurso pode satisfazer o sonho de ter suas qualidades reconhecidas publicamente; e as drag queens amigas de Lucy ajudam no trajeto das jovens durante a competição, enquanto representam a necessidade de consideração pela diversidade e pelo pluralismo.
Quando se trata do arco percorrido por Willowdean, a narrativa confere significativa importância à sua tia, responsável pela criação devido à ausência da mãe: o conforto em momentos de dificuldade e tristeza e os ensinamentos de autoconfiança partem de Lucy durante a infância da protagonista. Em tais cenas, a fotografia idealiza a mulher como um referencial exemplar através da coloração vermelha saturada que ilumina o ambiente e evoca uma atmosfera onírica. Entretanto, esse aspecto da trama possui uma deficiência de roteiro: a relação familiar entre mãe, filha e tia é tratada superficialmente, abrindo lacunas importantes para se entender como a dinâmicas entre elas no passado influenciou suas vidas no futuro.
A força do conteúdo apresentado convive com a simplicidade da linguagem cinematográfica concebida pela cineasta Anne Fletcher, jamais interessada em chamar a atenção para si. Algumas composições traduzem os momentos emocionantes do filme (por exemplo, o ensaio da apresentação do concurso quando Will explica o que é lealdade para ela, e a reconciliação entre mãe e filha no terceiro ato), mas, em geral, a prioridade é fazer uma boa direção de atores. Os personagens coadjuvantes têm carisma (por vezes, destacando-se e saltando para o primeiro plano), a protagonista é forte e determinada, apesar dos conflitos pelos quais passa, e Rosie, vivida eficientemente por Jennifer Aniston, é uma ex-miss que ainda preserva o glamour e a fama do passado, mesmo tendo dores mal resolvidas em relação à perda da irmã.
“Dumplin’” também conta com uma trilha sonora bem inserida na narrativa e no arco dramático de Will, composta pelas canções country de Dolly Parton, artista idolatrada pela protagonista (em especial, a música “Girl in the movies“). Portanto, em termos gerais, o filme diverte, cativa por conta de seus personagens e apresenta uma mensagem necessária; porém, carece de um brilho especial que o torne mais marcante e capaz de ser lembrado no futuro como obra cinematográfica.
Um resultado de todos os filmes que já viu.