“SE A RUA BEALE FALASSE” – O que ela diria?
Seria SE A RUA BEALE FALASSE um drama? Talvez, um romance? Um filme policial? Provavelmente, a etiqueta que melhor lhe serve é a de drama social, já que o racismo é sua temática mais pungente. Evidentemente, não há problema algum na hibridização de gêneros – pelo contrário, isso normalmente é positivo e ocorre com frequência. O problema surge quando não há foco, como é o caso do novo longa de Barry Jenkins.
Baseado em livro de James Baldwin, o roteiro de Jenkins acompanha o jovem casal Tish e Fonny em dois momentos: quando estão começando a interagir como casal (antes, eram amigos) e quando circunstâncias alheias os separam – nesse caso, ele é preso injustamente. Grávida, Tish se esforça para ter o amado em casa o quanto antes.
Trata-se de um script de uma história bastante real, cujo subtexto antirracista é, inegável e lamentavelmente, salutar. Com base nessa ideia, surgem várias passagens denunciando as práticas racistas, como no trabalho de Tish e quando Daniel, amigo de Fonny, relata sua experiência no sistema penal – esta uma das melhores cenas da película, principalmente graças ao ótimo trabalho dramático de Brian Tyree Henry. Não é sem razão que Daniel demoniza o homem branco ou que Fonny acha estranho quando Levy (Dave Franco, de relevância diminuta) o trata sem desconfiança quanto à sua honestidade.
No elenco estão, além de Franco, Diego Luna e Pedro Pascal. Três brancos, porém, de certa forma, representantes de minorias nos EUA: o primeiro, um judeu, os outros dois, latinos. Ainda assim, os três em personagens extremamente secundárias (Pascal, por exemplo, aparece quase que em um piscar de olhos). E a ideia é justamente essa, privilegiar o formidável elenco de atores negros, cuja estrela principal é Regina King. Mesmo sendo coadjuvante, a atriz premiada com três Emmys é agraciada com uma pequena narrativa própria (que não chega a ser um arco dramático) – apenas um exemplo da falta de foco da trama -, conseguindo chamar a atenção.
Os demais estão em bom nível, mas não extraordinário. Colman Domingo é um homem sereno e pai afetuoso. Stephan James interpreta Fonny com bastante naturalidade, soando verossímil nos bons – como quando Tish o informa da gravidez – e maus momentos – como quando confrontado por um policial (aliás, Ed Skrein faz um policial deveras convincente, a despeito do pouquíssimo tempo de tela). KiKi Layne vai bem quando Tish se mostra vulnerável e receosa, deixando a desejar quando a personagem revela uma personalidade mais forte. Aunjanue Ellis faz um papel difícil e erra um pouco o tom não por culpa própria, mas porque o roteiro não trabalha bem o discurso da personagem. Por exemplo, soa estranho que uma fanática religiosa (da maneira caricatural como proposta) confronte o marido de maneira tão manifesta (não é absurdo, mas há uma dose de exagero na cena, que se torna teatral em um sentido não muito positivo).
No amálgama de temas que Jenkins cria, sua direção não soluciona alguns problemas, como a duração excessiva e o ritmo arrastado. Soa paradoxal, mas é o que ocorre: a despeito da variedade de abordagens (ora sobre um tema, ora sobre outro; ora a partir de uma personagem, ora a partir de outra) e até mesmo da divisão da narrativa em duas linhas temporais, o filme não justifica suas duas horas de duração, já que poderia ser resumido, do ponto de vista exclusivamente do plot, em um curta-metragem mais eficiente. A cena de Pedro Pascal, por exemplo, é mal encaixada na trama e só se justifica por um motivo artificial (já que havia soluções melhores).
Por outro lado, o design de produção assinado por Mark Friedberg é encantador ao apostar principalmente em duas cores: verde, a cor da esperança, e vermelho, a cor do amor. O verde está presente na imensa maioria dos planos (na roupa de Tish quando vai à cadeia, nas cortinas da sua casa, nas almofadas das cadeiras, na mala da mãe etc.), indicando a crença perene das personagens de que a situação injusta de Fonny terá um desfecho positivo. O vermelho se revela no casaco de Fonny e no guarda-chuva usado pelo casal, dentre outros elementos imagéticos, para enaltecer o clima romântico.
A trilha musical de Nicholas Britell evoca um lirismo fascinante, transitando entre canções intra e extradiegéticas – embora a troca nem sempre acerte, como na cena de sexo, em que há um equívoco injustificável na transição (o que não é trabalho dele, é claro). Britell tem a sensibilidade de inserir canções latinas (em termos de língua e ritmo), consciente que a trilha precisa da adaptabilidade.
Depois de vencer o Oscar com “Moonlight: sob a luz do luar”, havia muita expectativa acerca do novo trabalho de Barry Jenkins. Em síntese, o filme de 2016 é mais incisivo, emotivo e eficaz. Isso não significa que “Se a rua Beale falasse” é ruim, apenas mais frágil. Como demonstração mais clara dessa fragilidade está o título: o que a rua Beale diria, já que é mencionada apenas no texto inicial?
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.