“POLAR” – A banalização do cartunesco
Não são muitas as sequências de abertura que conseguem representar tão bem o filme da qual pertencem. Em POLAR, esse fato acontece, porém não de modo positivo. O primeiro conjunto de cenas mostra vários personagens apáticos e genéricos, um desconhecimento na construção visual e um choque entre tons contraditórios. A produção, uma adaptação de uma graphic novel russa homônima, fracassa na tentativa de emular o estilo da mídia original.
A história é centrada em Duncan Vizla, um dos maiores matadores de aluguel, que está em vias de se aposentar devido à idade avançada. Contudo, seus planos não saem como o planejado quando seu chefe o convoca para uma missão; durante a execução, ele percebe que, aparentemente, seu último trabalho pode ter outro desfecho. O roteiro não traz nenhuma grande novidade, afinal se apoia no clichê do assassino decidido a se retirar do trabalho que nunca consegue se afastar da vida violenta que levava. O que o torna particular é a assinatura visual do cineasta Jonas Åkerlund, algo que nem sempre se revela positivo (raramente, na realidade).
Esteticamente, são acertos os letreiros coloridos e estilizados que apresentam personagens e cenários e as transições na montagem, que remetem ao folhear de uma página de HQ, com um som característico e uma movimentação lateral de imagem. Apesar da boa utilização do recurso, tantos defeitos se sobrepõem a essas qualidades – por exemplo, a primeira sequência, que exibe um grupo de assassinos em uma missão, falha na construção e na preparação do cartunesco, da paródia ou do exagero e empilha elementos gratuitamente: a trilha sonora pop, o humor infantilizado (um plano-detalhe no órgão genital masculino ereto sob uma sunga), os planos-detalhe em partes do corpo de mulheres, o slow motion e os milhares de cortes nos momentos de ação.
Os demais aspectos da identidade visual do filme criam personagens, situações ou locações estranhos, não de forma natural e cuidadosamente pensada; existe um grande esforço em tornar tudo excêntrico e insólito. As cores dos objetos cênicos, figurinos e na iluminação são extremamente saturadas, além da combinação entre maquiagem e penteado sentir a constante necessidade de estabelecer os personagens coadjuvantes como seres extravagantes e irreais. Por conta dessas opções estéticas, o elenco secundário não consegue se distanciar de uma caricatura nada interessante de acompanhar, nem ao menos para odiar os vilões.
Mesmo Mads Mikkelsen, um ator geralmente muito competente, parece desnorteado diante de uma história genérica mal concebida visualmente. Sua imponência física e dramática não consegue esconder os problemas na concepção do protagonista: alucinações inseridas para insinuar um trauma em seu passado contrastam com sua personalidade impenetrável que não transmite sentimentos; o próprio semblante continuamente inexpressivo impede uma identificação do público e o convencimento de que passa por algum arco emocional; e tentativas débeis de humor negro insistem no absurdo ou na quebra de expectativa, previsíveis depois de um tempo (por exemplo, seu breve trabalho como professor de crianças, a posse de um peixe como animal de estimação ou a cena em que fuma apesar de ter dido anteriormente que havia parado).
Além disso, a relação que Duncan estabelece com Camille é o símbolo evidente da gratuidade de diversas passagens do roteiro. O relacionamento entre eles é baseado em uma sucessão de acontecimentos aleatórios sem conexão ou sentido em si mesmo: Duncan a ajuda a cortar lenha; eles conversam sobre o passado de forma indireta; ele a presenteia com uma arma de fogo (algo que não gera qualquer espanto); ela corre risco de vida e o protagonista se importa em protegê-la; e, por fim, dois plot twists dispensáveis fecham o arco dos dois personagens. A falta de foco se repete na narrativa como um todo, em função da alternância abrupta entre a ação cartunesca, o drama das memórias do passado e o humor vulgar (o percurso de um grupo de assassinos no segundo ato deveria ser cômico, mas apenas revela mau gosto).
Não somente de problemas visuais e discursivos o filme é feito. Do ponto de vista dramático, as cenas de nudez e violência também se provam gravemente falhos por não terem utilidade narrativa. O corpo feminino é captado pela câmera em sequências cujo único objetivo é objetificar as mulheres a partir do olhar machista do homem, sendo, portanto, descartáveis. Já a encenação da violência parece querer emular a estilização cartunesca dos trabalhos de Quentin Tarantino sem ter a sensibilidade artística do diretor (na cena em que um homem obeso é assassinado, ela se transforma em algo ofensivo).
“Polar” pretende transpor para o cinema algumas características marcantes das HQ’s, especialmente aquelas mais afetadas do material original. Antes fossem necessárias apenas boas intenções para concretizar seus objetivos narrativos e desfazer problemas de roteiro, direção e concepção estética. Não sabendo como construir um universo cartunesco sustentado pela paródia, as duas horas de projeção se tornam um desafio torturante mesmo com a presença de Mads Mikkelsen. Uma tortura, provavelmente, também sentida pelo próprio ator.
Um resultado de todos os filmes que já viu.