“TITÃS” – À sombra do próprio universo
TITÃS é a tentativa da DC Universe de embalar uma história de reunião de super-heróis mais satisfatória do que aquelas vistas no cinema. Em parte, a série promete reverter alguns problemas dos filmes recentes da empresa (“Batman vs. Superman” e “Liga da Justiça“) com uma dose maior de diversão e novos personagens. Porém, a promessa inicial logo é ofuscada pela dependência de easter eggs do universo e do estilo sombrio das produções anteriores.
A série segue jovens heróis enquanto crescem e se tornam versões sombrias da franquia “Os Jovens Titãs“. Ao abandonar o posto de Robin ao lado de Batman em Gothan, Dick Grayson tem seus caminhos cruzados com Rachel Roth, uma jovem possuída por uma estranha escuridão; enquanto ele a protege de uma misteriosa organização que quer capturá-la, seus caminhos se encontram com Kory, mulher sem memória e que possui uma energia incandescente dentro de si, e Garfield, um jovem nerd que pode se transformar em um tigre. Mesmo apenas tendo Robin como personagem bastante conhecido, a obra não perde tempo tentando ser uma história de origem: os conflitos internos de cada herói são trabalhados enquanto a narrativa central a partir de Rachel se desenvolve.
A trama tem características quadrinescas e se concentra prioritariamente em Dick e Rachel, sendo os demais personagens inseridos gradualmente na narrativa. Ainda que exista essa divisão de protagonismo, o foco muitas vezes recai na trajetória de Dick tentando se desvencilhar da persona violenta criada durante sua parceria com Bruce Wayne: subtramas com missões específicas cabendo apenas a ele resolver e muitos flashbacks sobre sua infância atravessam diversos episódios. As consequências são o congelamento, em muitos momentos, da trama central de Rachel, o abandono de alguns heróis (o casal Hank e Dawn aparece nos primeiros capítulos e só reaparece em um episódio filler ao final), o desenvolvimento precário de outros (o arco de Kory para recuperar a memória é resolvido apressadamente no penúltimo episódio e os embates internos de Garfield com sua violência são menosprezados) e a subvalorização da dinâmica de equipe (restrita a poucos momentos).
Algo que sempre desperta atenção em produções do gênero são as sequências de ação. As lutas são bem coreografas, mostrando os impactos dos golpes e as acrobacias de Robin convincentemente. Além disso, os confrontos corporais extremamente violentos podem ainda surpreender em histórias de heróis, entretanto não cumprem uma função narrativa definida: estão presentes no início e são descartados gradualmente; fazem parte do arco dramático de Dick, mas não dos outros personagens.
Acima de tudo, a narrativa é comprometida pelas referências em demasia ao universo DC, especialmente do Batman. Inicialmente, as citações são pontuais, bem humoradas e indicadoras do background de Dick; à medida que transcorrem os episódios, elas se tornam excessivas e, ao invés de desenvolver o conflito do herói, causam dois prejuízos à série: a trama principal estaciona e easter eggs capengas são empilhados somente como fan services (personagens clássicos, como Batman e Coringa, são mostrados muito discretamente, de costas ou em silêncio para não prejudicar a escalação de futuros atores para esses papéis em filmes da DC).
“Titãs” cria a falsa impressão de que a atmosfera não será soturna como obras recentes do estúdio graças à diversão garantida por momentos de humor e por sequências de ação próximas às HQ’s. O humor é extraído da utilização de canções dinâmicas de rock em passagens violentas para criar um contraste e da presença do bom timing cômico de Garfield. A abordagem divertida e engraçada não se sustenta por muito tempo e praticamente se sabota, devido a uma seleção extensa de músicas pops que parecem querer mostrar todos os direitos autorais conseguidos e a pequena exploração de Garfield pelo roteiro.
Os aspectos técnicos também apresentam irregularidades, que tornam as escolhas visuais oscilantes. Os figurinos utilizados pelos super-heróis são um acerto por misturarem os tons realista e quadrinesco característicos de toda a narrativa; já os efeitos visuais somente funcionam quando fazem parte de situações fora da realidade comum (a manifestação dos poderes de Rachel e Kory, por exemplo), pois a recriação de aspectos observáveis no cotidiano banal são muito artificiais (dentre eles, uma colisão de carro, os saltos de uma heroína por cima de veículos e a transformação de Garfield em tigre). A composição da fotografia, ao longo da série, reflete as indecisões criativas dos realizadores: a princípio, a escuridão dos cenários é contraposta pelo destaque às cores vibrantes do cabelo e dos figurinos dos heróis (o cabelo verde de Garfield, o cabelo rosa e a roupa azul de Kory…); contudo as sequências de ação rapidamente se tornam mais sombrias com uma iluminação que dificulta sua visualização (além do fato de que as referidas cores vibrantes também são diminuídas).
A construção narrativa e visual de “Titãs” desemboca em um último episódio que pode soar anticlimático por não trazer um conflito grandioso, mas sim o embate interno de Dick Grayson. Apenas no décimo primeiro capítulo o arco de Robin se comunica com a trama central, porém naquele momento ele já estava sobrecarregado pela excessivas aparições anteriores. Em termos gerais, a obra tem qualidades quando não se sente obrigada a emular o universo DC nos cinemas; seus méritos seriam ainda maiores caso não vivesse à sombra de seu próprio universo e estilo.
Um resultado de todos os filmes que já viu.